AGÊNCIA CBIC
A contratação de autônomos e o posicionamento do STF
Alexandre Peixoto Dacal é membro do Grupo de Intercâmbio de Legislação Trabalhista da CPRT/CBIC, diretor jurídico do Sinduscon-AL e advogado do Escritório Jurídico JLNAP Advogados Associados
Como se sabe, nenhuma empresa está livre de se ver demandada judicialmente por qualquer trabalhador de qualquer nível de escolaridade e/ou ensino. Nas atividades empresariais inseridas na cadeia produtiva, não é possível garantir a inexistência de riscos na contratação de pessoas mediante contrato com MEI/Profissional Autônomo. Incluindo-se no risco, evidentemente, a possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício com a condenação no pagamento de verbas contratuais e/ou rescisórias inerentes ao contrato de emprego.
Entretanto, existem formas de minimizar os riscos (jamais eliminá-los – é bom que se frise). Estas formas consistem, basicamente, em tentar eliminar ou diminuir a caracterização dos elementos formadores daqueles requisitos do vínculo empregatício previstos no art. 3º da CLT.
A Lei 13.467/17, conhecida como Reforma Trabalhista trouxe um artigo para a CLT que diz o seguinte:
Art. 442 – B: A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no artigo 3º desta consolidação.
As “formalidades legais” são, em suma, a existência de um contrato e a emissão de nota fiscal.
Foi nessa toada que em 30 de novembro deste ano, o STF, por meio de decisão nos autos da Reclamação 56.132 (Maranhão – Relator o Ministro Roberto Barroso), cassou uma decisão da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região (Maranhão) no processo nº. 0017644-19.2016.5.16.0003, a qual reconhecia o vínculo empregatício entre aquela reclamada e o reclamante quando estabelecido entre as partes um contrato de associação imobiliária.
No caso específico discutido nesta Reclamação, havia o interesse do autor da ação no reconhecimento do vínculo empregatício tendo ele prestado serviços de corretagem na intermediação da venda de imóveis produzidos pela empresa reclamada tendo havido entre as partes contrato de prestação de serviços.
Ainda que não tenha sido citado na construção da Decisão o artigo 442-B da CLT, o STF em sua fundamentação traçou a seguinte linha argumentativa, ipsis litteris:
“(…)
-
- Considero, portanto, que o contrato de emprego não é a única forma de se estabelecerem relações de trabalho. Um mesmo mercado pode comportar alguns profissionais que sejam contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho e outros profissionais cuja atuação tenha um caráter de eventualidade ou maior autonomia. Desse modo, são lícitos, ainda que para a execução da atividade-fim da empresa, os contratos de terceirização de mão de obra, parceria, sociedade e de prestação de serviços por pessoa jurídica (pejotização), desde que o contrato seja real, isto é, de que não haja relação de emprego com a empresa tomadora do serviço, com subordinação, horário para cumprir e outras obrigações típicas do contrato trabalhista, hipótese em que se estaria fraudando a contratação.
- Da leitura da decisão reclamada, observa-se, em primeiro lugar, que não estamos diante de trabalhador hipossuficiente, cuja tutela estatal é justificada para garantir a proteção dos direitos trabalhistas materialmente fundamentais. Trata-se de profissional com remuneração expressiva, capaz, portanto, de fazer uma escolha esclarecida sobre sua contratação. Além disso, inexiste na decisão reclamada qualquer elemento de que tenha havido coação na contratação celebrada.
(…)”
Na referida decisão, cita ainda o seguinte precedente:
CONSTITUCIONAL, TRABALHISTA E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. OFENSA AO QUE DECIDIDO POR ESTE TRIBUNAL NO JULGAMENTO DA ADPF 324 E DO TEMA 725 DA REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO PROVIDO. 1. A controvérsia, nestes autos, é comum tanto ao decidido no julgamento da ADPF 324 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO), quanto ao objeto de análise do Tema 725 (RE 958.252, Rel. Min. LUIZ FUX), em que esta CORTE fixou tese no sentido de que: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”. 2. A Primeira Turma já decidiu, em caso análogo, ser lícita a terceirização por “pejotização”, não havendo falar em irregularidade na contratação de pessoa jurídica formada por profissionais liberais para prestar serviços terceirizados na atividade-fim da contratante (Rcl 39.351 AgR; Rel. Min. ROSA WEBER, Red. p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 11/5/2020). 3. Recurso de Agravo ao qual se dá provimento.
A Decisão termina com a seguinte conclusão:
“(…)
-
- Dessa forma, a decisão reclamada ofendeu o decidido nos paradigmas invocados, nos quais se reconheceu a licitude de outras formas de organização da produção e de pactuação da força de trabalho.
- Diante do exposto, com base no art. 161, parágrafo único, do RI/STF, julgo procedente o pedido, para cassar a decisão reclamada (Autos nº 0017644-19.2016.5.16.0003) e determinar que outra seja proferida, em observância à jurisprudência vinculante desta Corte.
Logo, o que se percebe é que há no STF uma forte inclinação para tornar válida a contratação de Pessoa Jurídica formada por trabalhadores autônomos quando não existentes os elementos do vínculo empregatício.
No caso da indústria da construção civil, há situações em que até mesmo um engenheiro pode ser contratado como MEI com pessoa jurídica regular observadas, evidentemente, as formalidades legais, além de cuidados para a eliminação da configuração dos elementos do vínculo empregatício.
Primeiro, por exemplo, há de se formalizar um contrato, no qual se estabelece em seu objeto a prestação de um serviço específico e predeterminado (p.ex. para acompanhamento de uma obra, de um setor ou de fase da obra).
Minimizar a caracterização dos elementos do vínculo consiste em evitar a submissão ao controle de jornada; evitar a subordinação com a aplicação de penalidades para o caso de ausência ou recusa do prestador de serviços a executar determinada atividade (com exceção, é claro, da responsabilização contratual, civil e penal decorrente da prática de atos ilícitos na execução do serviço pelo profissional contratado).
Importante ainda que se evite pagar com periodicidade pré-estabelecida (ex. mensalmente ou quinzenalmente), efetuando o pagamento à Pessoa Jurídica em contraprestação sempre que o serviço ou etapa deste for de fato executado e mediante a apresentação de nota fiscal.
Tais condutas estabelecidas entre as partes não eliminam totalmente o risco de demandas trabalhistas, mas tendem a ser observadas em discussão judicial de acordo com os recentes entendimentos do Judiciário, tal como a decisão citada acima. O próprio fato do engenheiro (dentro da casuística colocada acima), como MEI, ser de nível superior também afasta a caracterização da hipossuficiência do trabalhador.
Concluindo, em que pese o risco, com as devidas cautelas tomadas, com a formalização do contrato e a forma da condução na prestação do serviço, contraprestação pecuniária mediante emissão de nota fiscal etc., é possível a contratação de Pessoa Jurídica formada por trabalhador autônomo reduzindo, sobremaneira, o risco do reconhecimento do vínculo empregatício.
O tema tem interface com o projeto “Elaboração e Atualização de Conteúdos Informativos/Orientativos para a Indústria da Construção” da Comissão de Política de Relações Trabalhistas (CPRT) da CBIC, com a correalização do Serviço Social da Indústria (Sesi).