AGÊNCIA CBIC
Artigo: Descomplicando o Programa de Compliance para o setor da construção
Fábio Risério, da Além das Palavras, é consultor do Projeto Ética & Compliance na construção, realizado pela CBIC com a correalização do SESI Nacional.
Com a grande repercussão e visibilidade no setor da indústria da construção de escândalos de corrupção presentes na sociedade brasileira nos últimos anos, podemos observar a importância da implementação dos programas de compliance nas organizações do setor, seus pilares, fundamentação legal, e, acima de tudo, a sua contribuição para a sociedade em que vivemos.
No entanto, implementar um Programa de Compliance, não é uma tarefa fácil, pois requer muita dedicação, sensibilidade, persistência e o genuíno engajamento com a causa, da alta administração, e não menos importante, de todos os seus colaboradores e parceiros de negócios. Mas, como começar? O que preciso observar? Como entender as necessidades de sua organização?
Como é sabido, existem dezenas de organizações do setor da indústria da construção no Brasil e cada uma delas com suas peculiaridades, como atuação em regiões diferentes, estruturas organizacionais e modelos de governança diferentes ou a ausência deles, valores, propósitos e objetivos também muito diferentes.
No entanto, implementar um Programa de Compliance, não é uma tarefa fácil, pois requer muita dedicação, sensibilidade, persistência e o genuíno engajamento com a causa, da alta administração, e não menos importante, de todos os seus colaboradores e parceiros de negócios.
Diante disso, contudo, cumpre ressaltar que este artigo não tem como objetivo dizer o que é certo ou errado na implementação de um Programa de Compliance, tendo em vista que não há uma fórmula pronta e precisa para tanto, mas demonstrar que o entendimento de alguns elementos pode ajudar a descomplicar o processo de sua implementação.
O objetivo de descomplicar esse processo está em contribuir para que as organizações da indústria da construção sejam quais forem suas realidades, tenham condições de compreender a essência de um Programa de Compliance e possam, dessa forma, estabelecer seu próprio modelo de aplicação.
Para construir essa abordagem vamos dividir essa análise em quatro aspectos:
- Essência da organização
- Setor de atuação
- Estrutura e ferramentas existentes
- Capital humano
I. Essência da organização
Antes de começar a implementação de um Programa de Compliance em uma organização é necessário conhecer sua essência, a “alma da organização”. Qualquer coisa que for feita que não corresponda ou se conecte com essa essência, certamente terá problemas para alcançar seus objetivos.
Assim, precisa-se ater a alguns elementos básicos da organização, sua visão, missão e valores, pois é algo que traduz na essência como essa organização que ser reconhecida, quais seus objetivos, como pretende alcança-los, e, além disso, são os elementos fundamentais para entender a cultura que pode permear essa organização. No entanto, nem sempre a visão, missão e os valores de uma organização estão formalizados por códigos de conduta ou qualquer outro tipo de documento, mas, sim, estão presentes nas ações do dia a dia.
Nesse caso, o que se observa que esses aspectos de propósito, visão, missão e valores da organização vão além de belas frases escritas e expostas na organização, mas, sim, estão na essência de como a organização faz as coisas, de como as pessoas se relacionam, de como cobra seus colaboradores, em todas as relações e processos é que podemos ver como esses aspectos se concretizam.
Sendo assim, entre outras coisas:
- Caso não exista ainda, estabeleça qual deve ser o propósito, a missão, visão e valores da organização. Isso exige uma avaliação genuína do que realmente é a sua organização.
- Formalize esses elementos e comunique constantemente a todos da organização.
- Considere esses elementos na contratação dos seus colaboradores, no reconhecimento, na avaliação, etc.
- Garanta o alinhamento das práticas de negócio e estratégias de negócio, sempre com esses valores.
II. Setor de atuação
Conhecer o ambiente de sua organização também é necessário, apesar de parecer obvio. É necessário entender de forma profunda quais são os principais atores, principais práticas, enfim, como a organização se insere e a partir daí qual o papel da organização nesse setor. Importante conhecer e compreender as vulnerabilidades a que a organização está exposta, como aspectos legais, regulatórios e reputacionais.
A importância de conhecer o setor que está inserida é que nas relações existentes nesse setor que as práticas de compliance podem e devem influenciar. Toda organização está inserida em um setor com parceiros, associados, fornecedores, reguladores, colaboradores e é na relação entre esses atores que as condutas inadequadas se estabelecem, portanto, sem conhecer profundamente tudo isso, possivelmente, as práticas de compliance poderão não ter a efetividade necessária.
A importância de conhecer o setor que está inserida é que nas relações existentes nesse setor que as práticas de compliance podem e devem influenciar.
Sendo assim, é importante:
- Mapear os parceiros e quais as práticas que eles adotam para suas operações e como você pode se posicionar frente a elas.
- Quais os principais gargalos da legislação que o setor que a organização está submetida e quais aspectos de risco isso traz.
- Quais aspectos da relação da organização com os associados que podem influenciar de forma negativa suas práticas internas.
- Na relação com os colaboradores da organização e, até mesmo no setor, quais são os principais pontos de conflitos ou práticas que historicamente tenham sido inadequadas.
III. Estrutura e ferramentas existentes
Durante a implementação de um Programa de Compliance, devemos considerar sua estrutura e ferramentas especificas que sustentem o programa, e é nisso, muitas vezes, que as organizações encontram as maiores dificuldades. Qual deve ser o tamanho dessa estrutura ou a complexidade dessas ferramentas?
Considerando que as organizações possuem realidades diferentes, ameaças diferentes, tamanhos e recursos em diferentes proporções, é fundamental que construam seus programas de acordo com essas realidades.
Em relação à estrutura, descomplicar quer dizer se adequar, ou seja, não será eficiente implementar um Programa de Compliance sofisticado se a estrutura da organização é enxuta. Nesse caso, o foco é implementar um programa que atenda todos os aspectos essenciais e legais, porém se adequando à estrutura existente.
No que tange às ferramentas, descomplicar quer dizer pensar nos processos implementados que a organização já possui como, políticas e procedimentos. Como exemplo, se um Programa de Compliance é necessário avaliar o risco perante seus fornecedores, a organização não precisa criar algo especifico para isso. Caso a organização possua um processo de homologação de fornecedores, por mais simples que seja, basta incluir algumas verificações relacionados aos aspectos de compliance, e a organização terá um processo aprimorado de avaliação.
O foco é implementar um programa que atenda todos os aspectos essenciais e legais, porém se adequando à estrutura existente.
Dessa forma, o essencial é que as organizações possuam os recursos suficientes para a implementação do seu Programa de Compliance, adaptado à sua realidade, seus recursos e seus riscos. Para tanto, é necessário:
- Entender quais processos, hoje, a organização possui e que podem incorporar aspectos de compliance.
- Avaliar criativamente de que forma pode implementar outros aspectos de Programa de Compliance sem comprometer os recursos da organização e adaptando à sua realidade.
- Revisar sempre as práticas, ferramentas e estrutura de compliance, frente aos riscos e ao tamanho e complexidade da organização, pois cada momento as necessidades podem mudar.
- Independente do formato ou tamanho, implementar práticas que sejam efetivas, ou seja, que compensem os recursos aplicados.
IV. Capital humano
O capital humano de uma organização é um de seus principais ativos e para a implementação de Programa de Compliance este é um elemento essencial, pois todos os riscos de compliance que mais preocupam as organizações, basicamente, estão relacionados às relações e às condutas das pessoas. Diante disso, as pessoas são à base de um Programa de Compliance, e são fundamentais para descomplicar a implantação do programa.
O primeiro aspecto é o compartilhamento de conhecimento, por que, por mais que uma organização possua um profissional responsável pelo Programa de Compliance e, independentemente, do conhecimento desse profissional, ele não conseguirá sozinho dar conta de implementar um programa de forma efetiva.
Em seguida, o engajamento, envolvimento e capacitação do capital humano da organização, para que todos, ou o maior número possível de pessoas envolvidas, possam contribuir e colaborar com a consolidação do Programa de Compliance.
Nesse aspecto é fundamental que as pessoas conheçam as regras de conduta da organização, sejam elas mais simples ou mais detalhadas e complexas. É importante que todos saibam quais são as regras do jogo, para que depois todos possam ao mesmo tempo segui-las e vigiar seu cumprimento.
Outro aspecto é a busca pelo capital humano adequado aos valores e princípios da organização. Não há momento melhor para tentar verificar a aderência aos valores dos profissionais, do que antes que eles entrem na organização e possam fazer algo que viole as regras de conduta da organização.
Por fim, mas não menos importante é o aspecto do exemplo. O exemplo que deve partir dos lideres, da alta administração, além dos exemplos sobre as suas atitudes tomadas sobre os desvios de conduta na organização. Não há forma melhor de comunicar e treinar, do que em cima de casos concretos, de exemplos práticos daquilo que não deve ocorrer e das consequências que isso pode trazer para cada um.
Assim sendo, quando se trata de capital humano de uma organização como sustentação de um Programa de Compliance, o é ideal:
- Ao estabelecer regras claras de compliance, simples ou complexas, comunicar isso a todos constantemente.
- Mapear quais são, hoje, as formas mais efetivas de comunicação utilizadas pela organização e utilizar o canal e a experiência dos profissionais de comunicação para alcançar todos os públicos possíveis com informações sobre compliance.
- Utilizar também os canais de comunicação para reforçar constantemente o papel de todos no processo de compliance.
- Implementar uma agenda de capacitação das pessoas nos temas de compliance.
Considerações Finais
O objetivo desse artigo era trazer aspectos que possam de alguma forma ajudar a descomplicar ou até mesmo desmitificar a complexidade da implementação de Programa de Compliance em uma organização da indústria da construção.
Compliance na essência pode ser “fazer a coisa certa, do jeito certo”, e quando olhar-se dessa forma, pode-se imaginar que é algo simples de alcançar. Porém, quando isso trazido para a realidade de uma organização, onde não é possível controlar a tudo e a todos, passa-se a depender de que os outros façam a coisa certa e do jeito certo, torna-se um pouco mais difícil, considerando não ser possível e viável controlar isso o tempo todo.
A organização tem que perceber que os princípios da integridade estão em tudo, na forma como se relaciona com as pessoas, quando se toma decisões, quando se compra ou vende algo, quando se constrói ou destrói algo.
Tendo isso em mente, e compreendendo que cada ferramenta ou prática de compliance pode ser simplificada para a realidade da organização, a implementação do Programa de Compliance se torna mais viável e duradoura.
O segredo está em trazer o compliance para a vida da organização, permeando cada relação que já exista, processos que já estejam estabelecidos. A organização tem que perceber que os princípios da integridade estão em tudo, na forma como se relaciona com as pessoas, quando se toma decisões, quando se compra ou vende algo, quando se constrói ou destrói algo.
Cabe reforçar ao final de tudo, de que não existe a fórmula certa, o modelo ideal, ou a receita exata para o sucesso de um Programa de Compliance. Cada organização deve descobrir quais são as práticas que melhor lhe cabem e que vão propiciar o mais importante: o caminho certo. As organizações da indústria da construção devem descomplicar, criar, implementar e reimplementar, fazer de novo, e assim, cada vez mais o setor terá organizações efetivamente engajadas com aquilo que é certo, o que beneficiará não só a ela e o setor da indústria da construção, mas a sociedade como um todo.
Referência Bibliográfica:
LEONEL, Matheus; MONTENEGRO, Carla. Descomplicando um Programa de Compliance: uma tentativa de simplificar o entendimento e buscar alternativas que tornem mais efetiva sua implementação. São Paulo. Editora Sanar; 2016.