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AGÊNCIA CBIC

17/07/2020

Artigo: A covid-19 escancara nossas desigualdades

 José Carlos Martins é presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC)

A pandemia expõe nosso despreparo e nossas deficiências como nação, para além da saúde. Estão sendo escancaradas nossas desigualdades sociais e nossos problemas com representação política, eficiência econômica e organização como sociedade.

Temos cidades como Curitiba e Porto Alegre e bairros de São Paulo que têm desempenho semelhante ao da Alemanha no enfrentamento do coronavírus. Em contraponto, temos Belém, Manaus, Recife e Brasilândia, bairro da capital paulista, que sofrem com o número de vítimas fatais. Não podemos nos esquecer de que a doença chegou ao Brasil por meio de pessoas que dificilmente moravam na Brasilândia. Na pandemia, na violência urbana ou em mortes por falta de saneamento, a desigualdade é sempre letal para os menos favorecidos. Isso não é novidade.

Como é possível discutir distanciamento social num país com mais de 3 milhões de domicílios com coabitação familiar? Isso sem falar do nosso déficit habitacional, superior a 7 milhões de residências. Distanciamento social com o transporte coletivo que temos? Boas práticas de higiene com 35 milhões de brasileiros vivendo sem água tratada? Parece piada de mau gosto.

Enfrentam melhor a crise países mais preparados e com melhores estratégias. O Brasil não se preparou ao longo dos anos para atender seus cidadãos.

Para superarem as dificuldades sociais provocadas pela pandemia, nações abriram seus cofres e socorreram todos. Também estão investindo pesado em infraestrutura para, quando a pandemia passar, se tornarem ainda mais competitivos no mercado global.

Esse não é o cenário brasileiro, infelizmente. Nossa situação fiscal não o permite. O inchaço da máquina pública e a ausência de investimentos nos deixarão para trás novamente.

Numa hora de sofrimento como esta, não temos como nos esquecer de todos os desmandos acumulados ao longo de décadas. Velhos problemas materializados em imagens de corpos amontoados.

O Brasil precisa sair da covid-19 minimamente comprometido com a construção de uma nação melhor para todos. Quantas crises mais precisarão existir até que a reversão deste cenário ocorra? Nossa desigualdade está intimamente ligada à ineficiência do Estado brasileiro. A crise escancarou nossas diferenças. De Estado para Estado, de cidade para cidade, de bairro para bairro.

Não estamos todos no mesmo barco.

A tragédia nos ensina que diminuir desigualdades é a melhor forma de um país ser mais igual, competitivo e com maior renda, alavancas do crescimento. Investimentos precisam ser feitos em produção, saúde, educação e tecnologia, em vez de gastar com uma estrutura estatal ineficiente, cara, burocrática e fonte de insegurança jurídica.

Um exemplo: para pagamento de pessoal e encargos sociais, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano prevê cerca de R$ 320 bilhões, enquanto o total destinado ao saneamento é de pouco mais de R$ 1 bilhão. Esse é o Brasil que queremos? Os traumas que restarão deste momento serão imensos. Tristeza para quem perdeu amigos e familiares, dificuldades para quem perdeu seu emprego, patrimônio, empresas.

Esses milhares de mortes dizem muito: falam do descaso como nossos cidadãos foram tratados ao longo dos anos. É preciso pensar no Brasil do futuro. Então, se não for por correção histórica, que seja por homenagem àqueles que se foram vítimas deste vírus e também aos que ainda irão.

Por que não criar um modelo de desenvolvimento baseado no investimento em educação de qualidade, saúde preventiva, emprego digno, saneamento, sustentabilidade e muitas outras medidas que tenham como foco o cidadão e a redução das desigualdades? Grandes nações são construídas com solidariedade, e o Estado precisa atender todos os seus cidadãos com igualdade.

A história nos proporciona uma nova chance. Vamos perdê-la novamente?

*Artigo publicado hoje (17) no jornal  O Estado de S. Paulo, no caderno Economia & Negócios.

**Artigos divulgados neste espaço não necessariamente correspondem à opinião da entidade.

 

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