AGÊNCIA CBIC
Setor da construção acompanha avanço do blockchain pelo País
Tecnologia pode reduzir custos, aumentar a transparência e a agilidade dos processos no mercado imobiliário
Tecnologias digitais como a blockchain – que funciona como um “livro de registro contábil” descentralizado – pretendem provocar amplas transformações e impactos em diversos setores da sociedade. Na indústria da construção, a tecnologia pode automatizar os processos do mercado imobiliário e dos registros de imóveis nos cartórios, além de auxiliar o programa de compliance das empresas, reduzindo custos, aumentando a transparência e a agilidade dos procedimentos. É possível, por exemplo, projetar a automatização na compra e venda de insumos do setor via blockchain e smart contracts. Por meio do sistema, é viável rastrear tanto os insumos negociados entre fornecedores e construtoras quanto a auto execução do pagamento por etapas ou por unidades entregues. “A construtora, ao negociar com o fornecedor a compra de 2 mil sacos de cimento para a construção de determinada obra, poderá depositar, pela plataforma, o valor correspondente ao contratado, sendo condição para a liberação do valor a entrega exata da quantia negociada entre as partes”, destaca Guilherme Hideo Oshima, advogado, sócio do Oshima & Maciel Advogados Associados e membro da Câmara Técnica de Inovação do Instituto de Engenharia do Paraná e da Comissão de Compliance da OAB/PR, além de presidente e membro fundador do Comitê Brasileiro de Compliance.
Além disso, no mercado imobiliário é possível planejar a arrecadação de fundos para investimento em imóveis por meio de uma espécie de crowdfunding. Em síntese, uma criptotoken/criptoativo representaria determinada porcentagem que um investidor possui sobre um imóvel. Na hipótese de aluguel da unidade imobiliária, o valor destinado ao investidor/locatário seria proporcional à sua participação e quantidade de criptotokens. “Essa é a lógica adotada pela SQM, que oferece investimentos em imóveis em Singapura”, menciona Guilherme Oshima.
A mesma lógica pode ser aplicada aos empreendimentos de multipropriedade imobiliária (timesharing). O criptoativo/criptotoken representaria a “cota” de determinado coproprietário do imóvel. Além disso, o registro de seus direitos, período de possibilidade de uso do imóvel, obrigações de não reforma, instalação de benfeitorias, ficariam todas no acervo da blockchain, garantindo, portanto, segurança e imutabilidade.
A exploração da blockchain em controles internos e externos de uma empresa também deve ser considerada. “Os registros de operações da empresa em blockchain podem facilitar o papel do compliance, colaborar com a auditoria externa e sopesar como um diferencial do código de ética, privacidade e inviolabilidade do canal de denúncias”, ressalta o advogado.
Já a adoção da blockchain por registros de imóveis pode seguir a lógica aplicada em registro de títulos e documentos da OriginalMy, bem como servir para fins de controles internos de cartórios garantindo a segurança e indelebilidade dos lançamentos efetuados na matrícula. No caso da OriginalMy, trata-se da autenticidade de conteúdo que utiliza a blockchain como protocolo. Dessa forma, qualquer documento autenticado no sistema poderá ser verificado se o mesmo é autêntico ou não.
Sob a coordenação do engenheiro João de Souza Jr., núcleo integrado por profissionais da Administração, Contabilidade, Direito, Engenharia, TI e Programação, a Câmara Técnica de Inovação do Instituto de
Engenharia do Paraná desenvolve estudos para todas essas questões.
Nos próximos dias 18 e 19 de outubro, em Curitiba/PR, o Instituto de Engenharia do Paraná e a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) realizarão o TechLaw Summit 2018. O objetivo é compreender como a tecnologia revolucionará os serviços jurídicos e como impactará na gestão de escritórios de advocacia, tribunais e cartórios. A CBIC participará do evento representada pelo presiente da entidade, José Carlos Martins, e pelo presidente da Comissão da Indústria Imobiliária (CII), Celso Petrucci. Confira a programação, clicando aqui.
ENTENDA O BLOCKCHAIN
O Blockchain compartilha e armazena dados por meio de máquinas pessoais em uma rede descentralizada e distribuída. Não há um intermediador responsável pelo controle do sistema, uma vez que na rede distribuída todas as máquinas auxiliam na validação das informações inseridas. “Todos os computadores dessa rede possuem as informações registradas, garantindo a segurança, imutabilidade e rastreabilidade desses dados”, destaca Oshima.
O grande diferencial dessa rede é que a descentralização e distribuição de máquinas permite a troca de dados entre as mesmas, garantindo veracidade e autenticidade aos registros. O sistema é executado voluntariamente por software em máquinas/computadores por usuários conectados à internet do mundo todo, mediante incentivos econômicos (emissão de criptomoedas) para o usuário bem-sucedido em efetuar o registro. “Por meio dessa política de recompensa é muito mais caro e complexo tentar fraudar o sistema do que cooperar com o mesmo”, aponta Guilherme Oshima.
SEGURANÇA
A blockchain garante a singularidade e continuidade dos dados no sistema. Todos os registros são datados e representados por uma cadeia contínua de criptografias, o que torna improvável a violação e fraude de registro em blockchain nesse sistema. “A alteração de uma cadeia deverá modificar toda a sua estrutura da cadeia de blocos, desde o seu primeiro registro. Além disso, a tentativa de fraudar uma cadeia de blocos seria reconhecida por outras máquinas do sistema, uma vez que também armazenam os mesmos dados, remetendo ao seu caráter de rede descentralizada e distribuída”, justifica.
APLICAÇÃO DO BLOCKCHAIN
O formato mais conhecido de aplicação da blockchain é em operações de valores, como em transações de criptomoedas (bitcoin, litecoin, ethereum, stellar).
Diferentemente de pagamentos via cartões de crédito, PayPal, a transação de criptomoedas não necessita de um intermediário para o envio de dinheiro, uma vez que a rede descentralizada é responsável por monitorar o histórico de titularidade da moeda, impedindo o efeito multiplicador da mesma. Somente o titular do bitcoin poderá gastá-la ou transferi-la, evitando-se a ampliação da base monetária (oferta de crédito) com base na mesma moeda. Ou seja, cada criptomoeda é um ativo singular e exclusivo. A blockchain é a tecnologia que viabiliza e assegura a criptomoeda.
A transferência de valores não está restrita à criptomoeda propriamente dita. Na mesma lógica da blockchain, é possível transacionar criptoativos representados em commodities, ações de empresas, etc.
A blockchain também pode ser agregada aos smart contracts (contratos inteligentes), programas de computador que protegem, fazem cumprir e executam a
liquidação de acordos registrados entre pessoas e organizações. “Dessa forma, pode-se afirmar que os contratos inteligentes garantem a auto execução/automatização do cumprimento de determinadas obrigações, evitando-se gastos com o policiamento do contrato. Ademais, vinculados à blockchain, as obrigações pactuadas e registradas em smart contracts conferem caráter de imutabilidade, verificabilidade e exigibilidade”, diz.
FUTURO DA BLOCKCHAIN E O BRASIL
Para Guilherme Oshima é preciso desmistificar o hype criado em torno da blockchain. “Não se trata de adotar a blockchain como solução universal para todos os nossos problemas. Primeiramente, é preciso analisar qual é a deficiência da cadeia produtiva para que assim se possa pensar em alternativas envolvendo a aplicação da blockchain”, ressalta. Além disso, deve-se projetar a viabilidade da tecnologia no processo produtivo e seu impacto na eficiência, eficácia e efetividade da empresa. “É necessário abordar quais problemas dentro de um sistema podem ser coerentemente solucionados via blockchain e não como essa impactará em minha produção, para que a aplicação da blockchain não vire um problema e um impasse maior do que os já existentes dentro da empresa”, evidencia Oshima.
Numa perspectiva nacional, o membro da Câmara Técnica de Inovação do Instituto de Engenharia do Paraná destaca que os criptoativos encontram
obstáculos sobre incertezas acerca de sua possível
regulamentação, o que inviabiliza a segurança e execução de determinadas ofertas de moedas, ativos, tokens. No entanto, a necessidade de regulamentar esbarra no próprio caráter descentralizado dos criptoativos. A doutrina disruptiva da blockchain, apesar de demonstrar a celeridade e segurança da
descentralização de serviços, esbarra em questões regulamentares, tal como o caso do registro de imóveis.
Na avaliação de Oshima, uma efetiva revolução pode demorar anos, até séculos. Tal inovação não necessariamente representa uma disrupção total de uma cadeia de produção e serviços. “No caso das criptomoedas, por enquanto, essas se apresentam como uma alternativa e um potencial exponencial de exploração, porém não decretaram a derrota do sistema bancário. Por outro lado, destaca-se que o contra-ataque dos bancos avança ‘na mesma moeda’, na medida que estes já estudam como implementar a tecnologia blockchain em seus sistemas”, diz.
Em relação ao processo de automatização das relações trabalhistas, Oshima aponta que é preciso estar atento para a substituição dos recursos humanos pela tecnologia, movimento evidente desde a primeira revolução industrial. A novidade, na atual quarta revolução, concentra-se na utilização de bots de atendimento e inteligência artificial para atender questões que anteriormente eram tratadas exclusivamente de forma pessoal, tais como chats e call center.
Segundo Oshima, é inegável que a indústria 4.0 alterou radicalmente o conceito de desempenho nas relações negociais. O mercado exige cada vez mais do profissional competências extrínsecas à sua formação e qualificação. “A tecnologia não vem para substituir o profissional pesquisador e sim demandar que este aprimore sua capacidade de trazer soluções e interpretações cumuladas com segurança, celeridade e eficiência, as quais ainda nem todos as máquinas são capazes de fornecer. No entanto, aquele que encontra-se estagnado e acostumado a exercer atividades repetitivas, robóticas, deve sim se preocupar com as inovações, uma vez que “a tecnologia não pede licença, pode pedir desculpas depois”, conclui.