
AGÊNCIA CBIC
16/11/2011
Plantando dinheiro
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16/11/2011 :: Edição 217 |
Jornal O Globo/BR 13/11/2011
Plantando dinheiro BC quer usar cédulas que viram lixo para fazer adubo e tijolos. São R bi por ano
Quem nunca sonhou com uma árvore de dinheiro? Alguns pesquisadores brasileiros sonharam. E foram até a fábrica atrás de matéria-prima. Pediram ao Banco Central (BC) restos de notas velhas, tiradas de circulação, para misturar com terra ou com restos de comida para fazer adubo. É claro que a pretensão não é colher cédulas ou moedinhas, mas descobrir técnicas que podem mudar o rumo da reciclagem de papel moeda em todo o planeta. E transformar dinheiro em fertilizantes, tijolos e até móveis – e ainda lucrar com isso.
Enquanto a maioria dos países incinera toneladas de notas antigas por dia, empresários e professores de universidades no Brasil buscam um destino nobre ao papel que não tem mais valor. Para o BC, é uma saída para evitar que R bilhões acabem em aterros sanitários todos os anos.
Isso é o quanto "valem" notas danificadas que são retiradas anualmente de circulação, o equivalente ao pacote de investimentos em mobilidade urbana (transporte de massa) anunciado pelo governo no mês passado. A iniciativa de um "BC verde" poderá servir de exemplo ao mundo daqui a oito meses na conferência Rio+20, que reunirá líderes das principais economias globais para discutir como frear a destruição do planeta.
A autarquia foi procurada por uma empresa do Paraná que propôs misturar os picotes de cédulas com terra para adubar áreas de reflorestamento. O Banco Central topou. Testes ainda são feitos para ter certeza se não há possibilidade de contaminação do solo já que as notas são impressas com uma solução feita com metais pesados. A aposta é que não, já que a maior parte da tinta se desgastou com o tempo.
A iniciativa de outra empresa do Pará é juntar o dinheiro com restos de comida recolhidos nas centrais de abastecimento para fazer adubo. Também estão em busca da proporção perfeita e analisam se há risco ambiental. Somente a Irlanda tem experiência semelhante em fertilizantes.
A ideia mais revolucionária veio de uma empresa de São Paulo, que pretende fazer móveis com o dinheiro que saiu de circulação. Hoje, o material mais utilizado é o MDF, sigla em inglês para um aglomerado de madeira de densidade média. Os paulistas querem inovar e criar um material no mesmo formato, mas com restos de cédulas, para fazer armários, mesas, cadeiras e o que mais a criatividade permitir para atender aos anseios ecológicos de consumidores mundo afora.
No Rio, uma universidade levou ao BC a proposta de misturar os resíduos com argamassa para fazer tijolos ecológicos. Os pesquisadores estão em busca da quantidade ideal dos ingredientes para fazer esses blocos. Eles permitiriam, segundo os protótipos, grande economia pois permitem que com apenas dois furos se dê espaço para a fiação elétrica e a tubulação.
– Que tijolo valioso será esse? A ideia é legal porque é emblemática. Uma iniciativa como esta pode gerar novas ideias para reciclar. Esse é o caminho – diz o vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins.
Na capital do país, a Universidade de Brasília (UnB) estuda algo bem mais simples: reciclar para produzir envelopes e cartões.
As empresas e instituições de ensino ainda estão, em sua maioria, no anonimato. Segundo o BC, isso é necessário porque os estudos não foram concluídos e os produtos não foram patenteados. Depois que acabarem todas as pesquisas, o BC negociará com cada parceiro para definir como será a remuneração pelo fornecimento da matéria-prima. Por enquanto, a instituição cede o material de graça para quem a procura com um bom projeto em mãos.
Duas mil toneladas recolhidas por ano
E matéria-prima não falta: dois milhões de cédulas são jogadas fora todos os anos no país. Metade no Rio e em São Paulo. São duas mil toneladas do que o Banco Central chama de "numerário não monetizado", ou seja, apenas um papel que não é mais dinheiro.
– Rasgar dinheiro é coisa de maluco, mas é o que a gente faz – brinca o chefe do Departamento de Meio Circulante do BC, João Sidney Figueiredo.
São 4,7 bilhões de cédulas em circulação na economia brasileira. As velhas são recolhidas por dois motivos: o primeiro é sentimental. De acordo com Figueiredo, é importante o povo e os estrangeiros que visitam o país sentirem que a moeda tem valor. O segundo é a segurança. Em notas mais antigas, dispositivos antifraude perdem o poder, como as cores, a marca d'água e o relevo das fibras.
Uso até na passarela de moda
As notas de menor valor são as que duram menos, não somente pelo cuidado menor, mas também porque circulam mais. As de R e de R têm uma validade média de um ano. As notas de R e de R duram dois anos. E as mais altas, de R e de R0, sobrevivem por três anos.
Antes, quando esse prazo se esgotava, o dinheiro era picotado por uma máquina operada por seis funcionários que demorava seis horas para destruir 1.500 kg de dinheiro velho. Ensacado, os picotes lotavam armazéns antes de serem depositados no aterro sanitário. Já até tentaram dar um destino mais digno ao picotes, como a passarela do Fashion Rio em 2008, numa edição com um viés de sustentabilidade. Mas, depois do evento, todo o material voltou a ser lixo.
Há dois anos, o Banco Central fez uma concorrência entre empresas estrangeiras para comprar máquinas mais modernas para fragmentar dinheiro e compactá-lo. Esse equipamento é capaz de cortar 1.250 kg de notas durante cinco horas. Como o processo é automatizado, três funcionários trabalham apenas por uma hora e meia para alimentar a máquina com as cédulas danificadas. Agora, os pedaços de dinheiro saem em blocos de papel prensados.
– Esse é o limite da tecnologia atual. É seguro, limpo e moderno: é o novo modelo do BC – diz Sidney.
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