Jornal Folha de S.Paulo/BR – 19/05/2011
o clinico geral da arquitetura
Criador dos hospitais da rede Sarah,
João Filgueiras Lima propõe mudanças no Minha Casa, Minha Vida
MARIO CESAR CARVALHO
DE SÃO PAULO
Só após a tragédia na região serrana do Rio, com um saldo de mais de 900
mortos pelas chuvas, é que o programa Minha
Casa, Minha Vida resolveu convidar um arquiteto para pensar as
construções em encostas. A presidente Dilma Rousseff chamou João Filgueiras Lima.
"O Brasil é cheio de favelas penduradas em encostas e a Caixa não tem
proposta para isso", diz Lelé, o apelido pelo qual ainda é chamado, aos 79
anos, em tributo a um meia direita do Vasco da Gama que brilhou na década de
40.
Não tinha proposta -porque agora tem, feita pelo próprio Lelé, o mais famoso
arquiteto de hospitais do país, criador de dez unidades da Rede Sarah.
Ter sido convidado pela Presidência não transformou Lelé em adulador. Ele
chama o programa Minha Casa, Minha Vida
de "porcaria".
"São horríveis, uma coisa pavorosa", diz sobre o programa criado
pelo então presidente Lula em 2009 com a meta de construir 1 milhão de moradias. "O problema não é só de
forma. A proposta de construção é horrorosa".
Lelé sabe do que está falando. É o maior especialista em obras com
pré-fabricados, segundo Oscar Niemeyer. Sua experiência com construções mais
industrializadas começou em 1957, durante a construção de Brasília, como conta
no livro "A Arquitetura de Lelé: Fábrica e Invenção", que será
lançado na terça no Museu da Casa Brasileira.
Foi na Rede Sarah de hospitais, voltada para problemas do aparelho
locomotor, que Lelé transformou os pré-fabricados em estado de arte. Uniu
funcionalidade, invenção e baixo custo, como diz o antropólogo Antonio Risério.
CONHECIMENTO
A qualidade estética dos hospitais não era o único susto. O preço de algumas
obras era a metade de um similar feito por empreiteira, segundo Lelé. Em
entrevista à Folha, feita por telefone, ele diz que não é só o uso de
pré-fabricado que derruba o preço da obra -é o conhecimento sobre as funções do
prédio.
O arquiteto conta que aprendeu tanto sobre medicina que é capaz de ler
raio-X e considera-se o melhor médico dos dois males que enfrenta: um câncer de
próstata e problemas cardíacos. "É óbvio que tenho cardiologista e
oncologista. Mas quem dirige o tratamento sou eu."
Ele não faz, porém, uma defesa da especialização: "Arquiteto, por
princípio, deve ser um clínico geral. Até pode se especializar, mas não pode
perder a capacidade de integrar tudo".
Há dois anos Lelé criou em Salvador o Instituto Brasileiro de Tecnologia do
Habitat. Será uma fábrica de pré-fabricados para uso em obras públicas.
Foi o instituto que criou o projeto para encostas para o programa Minha Casa, Minha Vida -casas de dois
andares sobre estacas, com um bondinho sobre trilhos para levar os moradores
morro acima.
Ele diz ter uma proposta para os dois fatores mais críticos do programa: a
baixa qualidade e o custo. "A construção
civil é a coisa mais retrógrada do mundo. Se se quer construir no Brasil
inteiro, impõem-se a industrialização e a qualidade. Isso só se consegue com
tecnologia."
Outro problema, de acordo com ele, são as normas da Caixa: "O programa
da Caixa é tão restritivo que você acaba fazendo aquela porcaria. É preciso dar
espaço para o sujeito criar".
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