Revista Exame/BR
Em busca do ouro perdido
A economia brasileira não saiu do lugar em 2012 – e as 500 maiores empresas do país viram seu lucro cair pela metade. O desafio agora é recolocar os negócios nos trilhos em mais um ano de aperto.
Yan Boechat
No mundo da economia real, aquele onde os lucros decorrem do investimento na produção, boas previsões são tão valiosas quanto o ouro em tempos de guerra. E da capacidade de leitura do cenário atual e de seus desdobramentos que as empresas traçam as metas, estruturam os planos de negócios e aplicam os recursos na expectativa de manter um volume de oferta adequado à demanda esperada. Para o grupo das 500 maiores empresas que atuam no Brasil, o ano de 2012 ficará marcado como um bom exemplo do que ocorre quando as expectativas não coincidem com a realidade. Instadas pelo governo, em especial pelo sempre otimista ministro da Fazenda, Guido Mantega, a investir e se preparar para um crescimento de 4% do produto interno bruto, essas companhias acabaram sendo pegas no contrapé por uma economia que andou de lado. O resultado, além da decepção, foi à queda drástica nos resultados. Juntas, as 500 maiores empresas lucraram 34,4 bilhões de dólares em 2012, redução de quase 50% em relação ao ano anterior. "Os custos subiram, o crescimento não veio e todo mundo teve de apertar o cinto para, ao menos, manter a receita estável", diz Celso Grisi, professor de economia da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo.
Com os cintos para lá de apertados pela necessidade de se ajustar a uma realidade de custos em alta e demanda em baixa, ainda assim as maiores empresas do país saíram-se surpreendentemente bem no ano passado. Mesmo com o frustrante crescimento de 0,9% do PIB, o bloco das 500 maiores companhias conseguiu quebrar seu recorde de receita líquida, que em 2011 já havia cruzado, pela primeira vez, a barreira de 1 trilhão de dólares. Foi um crescimento quase imperceptível, é verdade: saiu de 1,028 trilhão de dólares em 2011 para 1,047 trilhão de dólares em 2012. Mas esse pequeno avanço, de 1,8% – ante 7,3% no ano anterior -, mostra que a elite empresarial brasileira está calejada pelos persistentes voos de galinha da economia do país nos últimos anos e consegue, ainda que a duras penas, adaptar-se às oscilações para continuar se expandindo.
A RECEITA E RECORDE, MAS O LUCRO ENCOLHEU
Apesar do cenário adverso em 2012, as 500 maiores empresas do país superaram – por diferença de apenas 1,8% – as vendas do ano anterior, estabelecendo um novo recorde. Isso não evitou uma queda de 48% nos lucros, o que derrubou a rentabilidade do patrimônio. A margem de vendas também diminuiu.
Um bom exemplo dessa adaptação a um ambiente tão hostil aos negócios como foi o ano de 2012 é a BRF, gigante de alimentos resultante da fusão entre a Sadia e a Perdigão e dona da 17 a posição entre as maiores empresas brasileiras em receita líquida. Por determinação do Cade, o órgão de defesa da concorrência, a BRF iniciou o ano tendo de abrir mão de marcas e produtos consagrados, como Doriana e Rezende. Ambas foram compradas pela empresa de alimentos Marfrig, que também ficou com as unidades industriais de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, e Lages, em Santa Catarina. Na metade do ano, a BRF foi surpreendida por uma seca de proporções inéditas no Meio-Oeste americano, que provocou a disparada dos preços da soja e do milho, grãos responsáveis por cerca de 70% do custo de produção do frango. A alta dos custos se refletiu no balanço da companhia. O lucro líquido caiu de 199 milhões de dólares em 2011 para pouco mais de 10 milhões no ano passado – queda de 95%. "Foi um ano especialmente complicado", diz José Antônio Fay, presidente da BRF. "Seguramos o repasse de preços o máximo que pudemos e ampliamos nossa variedade de produtos para conseguir manter as vendas." Apesar das dificuldades, a receita líquida da BRF cresceu 8% no ano passado, atingindo 7,2 bilhões de dólares. "Agora é o momento de recompor as margens", afirma Fay.
A ELITE EMPRESARIAL BRASILEIRA MANTEVE A TÔNICA DE CRESCER MAIS QUE A MÉDIA DO PAIS
A BRF não está sozinha nessa empreitada. Para boa parte da elite empresarial brasileira, o lema neste ano é o mesmo: encontrar caminhos para sair do atoleiro de 2012. Além da estagnação das vendas e da queda dos lucros, outros indicadores pioraram. As maiores perdas foram sentidas nas margens e na rentabilidade do patrimônio: caíram 50% em relação ao ano passado (ambas fecharam 2012 em 4,1%), atingindo os menores percentuais registrados desde 2003. "Houve perda do dinamismo da economia brasileira nos últimos anos, e a produtividade vem caindo há quase meia década", diz Samuel Pessoa, chefe do Centro de Crescimento Econômico do Instituto Brasileiro de Economia, ligado à Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.
A constatação de Pessoa é explicitada em números. A produção industrial brasileira recuou 2,6% em 2012, dando mostras de que os programas do governo para incentivar o consumo já não têm o mesmo efeito de quando esse ciclo foi iniciado, logo após a eclosão da crise financeira de 2008. Ao mesmo tempo, a taxa de investimento afastou-se ainda mais dos 25%) almejados pelo governo e fechou o ano em 18,1%, mais de 1 ponto percentual abaixo da taxa de 2011. O índice de inadimplência aumentou de 6,8% para 8,1%. O único dado positivo foi o desemprego, que encerrou o ano em 5,5%, a menor taxa em 11 anos.
EMPRESAS QUE DEPENDEM DAS VENDAS AO MERCADO EXTERNO FORAM AS QUE SOFRERAM MAIS EM 2012
Vários fatores explicam o baixo crescimento econômico e o desempenho frustrante de muitas empresas no ano passado. A persistência da crise europeia teve seu papel, assim como a desaceleração da economia chinesa. Empresas que dependem majoritariamente do mercado externo sofreram mais. A Vale (terceira posição entre as 500 maiores) viu sua receita líquida cair 18% em 2012, para 29 bilhões de dólares. O lucro líquido caiu ainda mais: de 15 bilhões de dólares para menos de 2 bilhões, tombo de 87%. "Foi um ano muito desafiador", diz Murilo Ferreira, presidente da Vale. "Um crescimento mais lento na economia global e o aumento das incertezas levaram a uma queda dos preços dos minerais e metais, o que afetou diretamente nossos resultados."
Apesar de estar na outra ponta dessa cadeia, a gaúcha Gerdau Aços Longos (49ª posição) obteve lucro líquido de 225 milhões de dólares, valor 167% maior que o do ano anterior. Os aços longos produzidos pela Gerdau são muito usados em construções e obras de infraestrutura, áreas que se mantiveram aquecidas no país. Tanto que o setor indústria da construção foi um dos que registraram maior crescimento nas vendas: 9,1%. Nesse setor, fabricantes de cimento tiveram bons resultados. A Votorantim lucrou quase 420 milhões de dólares.
A Petrobras voltou à liderança no ranking de maiores lucros, recuperando o posto que foi da Vale em 2011 a empresa de mineração caiu para a quarta posição. Em relação à receita, as quatro primeiras colocadas mantiveram suas posições. O destaque foi a Cargil, que subiu do oitavo para o quinto lugar.
FALTA DE VIGOR
Após a perda de fôlego em 2012, especialmente no setor industrial, a atividade econômica ainda não engrenou neste ano e sofre com a inflação alta. A boa notícia é que o desemprego continua baixo.
Para as empresas que atuam no mercado interno, mas têm parte de seus custos indexada ao dólar, 2012 foi um ano para esquecer. A companhia aérea Gol (54ª posição) diminuiu suas vendas em 6% e contabilizou prejuízo de 624 milhões de dólares. A concorrente TAM (22ª posição) não se saiu melhor: sua receita caiu 5% e seu prejuízo chegou a quase 600 milhões de dólares. A razão para o mau desempenho, de acordo com Marco Antônio Bologna, presidente do conselho de administração da TAM, foi o aumento abrupto dos custos. "A variação cambial e a alta dos preços dos combustíveis tiveram forte impacto", afirma Bologna. "Com o país crescendo menos, tivemos de atuar em um mercado bem mais difícil do que nos anos anteriores." Mais do que as intempéries externas, contudo, foram as derrapadas internas que comprometeram de forma considerável o resultado global das 500 maiores companhias brasileiras. Como poucas vezes nos últimos anos, o governo federal decidiu intervir diretamente nos mercados, na tentativa – frustrada – de tirar a economia da encrenca em que se meteu em 2012. "O governo perdeu a mão e interveio demais", diz o economista Celso Gris, da Universidade de São Paulo. "Num mesmo dia, o ministro Mantega chegou a fazer quatro declarações ameaçando o empresariado se ele não seguisse as diretrizes governamentais. Assim não há como destravar os investimentos."
De fato, ao longo de 2012 a taxa de investimento caiu e, até agora, não dá sinais de que terá uma recuperação acelerada. E foram justamente medidas tomadas nos gabinetes em Brasília os fatores que mais influíram nos resultados das 500 maiores empresas brasileiras. Por ironia, duas companhias estatais, a Eletrobras (181ª posição) e a Chesf (71ª ), do setor de energia, foram as que mais sofreram com a mão pesada do governo, que impôs a redução de tarifas em troca da renovação antecipada de concessões nas áreas de geração e distribuição de eletricidade. As duas estatais foram as campeãs de prejuízo em 2012: juntas, perderam 8,8 bilhões de dólares, o correspondente a 41% do prejuízo total registrado pelas empresas da lista das 500 maiores que fecharam o ano no vermelho. "Houve uma recaída desenvolvimentista, em que se atribui ao setor público um papel de indutor", diz Samuel Pessoa, da FGV. "Em 2012, chegamos ao auge dessa política, que acaba afastando o investimento privado." Não são poucos os empresários que estão receosos com essa política. Uma pesquisa realizada por EXAME com 206 presidentes das maiores empresas brasileiras, de maio a junho, apontou que, para 32% deles, o intervencionismo do governo é a maior fonte de preocupação em 2013. Na lista de motivos de apreensão dos principais executivos, a mão forte do governo ficou atrás apenas da carga tributária (citada por 48% como o pior fantasma) e da inflação (apontada por 36% como a maior vilã).
PARA RECUPERAR AS MARGENS DE LUCRO, UMA DAS SAÍDAS E O AUMENTO DA PRODUTIVIDADE
O CENÁRIO NO CAMPO
A pujança do agronegócio brasileiro ficou mais uma vez demonstrada mesmo em um ano que o setor fechou com crescimento baixo das vendas (0,3%) e queda dos lucros (-27%). Na área de grãos, a seca do Meio-Oeste americano, que elevou os preços e afetou os resultados de fabricantes de alimentos, teve efeito positivo para empresas como a Bunge (décima posição), grande exportadora de soja e milho. A empresa cresceu 11% e vendeu 11 bilhões de dólares. "Conseguimos aproveitar o bom momento do mercado de grãos", diz Pedro Parente, presidente da Bunge. "Tínhamos uma operação enxuta, mas pronta para dar conta do aumento da demanda." Apesar dos números positivos, de acordo com Parente, está cada vez mais difícil planejar e fazer investimentos no longo prazo: "O problema não é mudar as regi as no meio do jogo. O problema é não ter regras claras." Ele está se referindo, sobretudo, às políticas ligadas ao setor canavieira, no qual a Bunge tem ampliado sua participação. "Não sabemos como será a política de formação de preços da gasolina no futuro. Desse jeito, como posso planejar meus investimentos?", diz Parente.
A todo esse caldo une-se agora a inflação, que superou o teto da meta no início de 2013 pela primeira vez desde novembro de 2011. No fim de junho, a inflação ainda não dava sinais claros de que vai arrefecer no ritmo esperado pelo Banco Central, mesmo com os dois ajustes da taxa básica de juro promovidos em abril e maio. Para as empresas, agora o caminho é buscar ampliar a produtividade e cortar custos para conseguir a esperada recuperação das margens que foram achatadas no ano passado. Em meio a tantas incertezas, a Vale decidiu acelerar os investimentos para ampliar a produção de minério de ferro. O principal deles, batizado de projeto S11D, em Carajás, no Pará, vai exigir aportes de 40 bilhões de reais. O objetivo é ampliar a produção em Carajás em 90 milhões de toneladas de minério de ferro anuais até 2017, expansão que significará dobrar a produção atual. "Pretendemos manter todos os nossos projetos, inclusive o S11D, o maior investimento da história da Vale", diz o presidente, Murilo Ferreira.
O CONSOLIDADO DO AGRONEGÓCIO
As receitas das 100 maiores empresas ligadas ao campo ficaram estagnadas em 2012, enquanto o lucro caiu 27 %. A Souza Cruz obteve o maior lucro
Se a Vale aposta no aumento dos investimentos para recolocar seus negócios nos trilhos, outras empresas seguem o caminho do ataque aos custos. "Essa tem sido nossa estratégia", afirma Luis Rapparini, vice-presidente executivo e de finanças da Raízen, produtora e distribuidora de etanol com a marca Shell. "Sempre há espaço para novos cortes." Além do rigor financeiro, a Raízen quer reduzir a capacidade ociosa de suas usinas. A empresa tem potencial para processar 76 milhões de toneladas de cana-de-açúcar por ano, mas moeu apenas 56 milhões de toneladas no ano passado. "Podemos ampliar a produção sem grandes investimentos", diz Rapparini. A meta é chegar a 70 milhões de toneladas neste ano – para isso, conta com a recuperação dos preços do etanol. Na mesma direção, a BRF prepara um programa para reduzir os custos internos e ampliar a produtividade. "Ainda não temos uma data definida para implantar o projeto, mas enxergamos várias possibilidades para ganhar mais eficiência", diz o presidente José Antônio Fay. Anos difíceis são parte da história dos negócios, como vem retratando MELHORES E MAIORES há 40 anos. Mas sempre há quem saiba enfrentá-los melhor e encontrar oportunidades. Os exemplos das empresas vencedoras destacadas nesta edição podem servir de inspiração em mais um ano duro.
|