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AGÊNCIA CBIC

23/11/2023

Artigo – Regras justas para contratações vantajosas pela administração pública

Reflexões sobre regulamentos da nova lei de licitações para contratação de obras e serviços de engenharia

Tony Roson da Silva é advogado, conselheiro do Conselho Jurídico (Conjur) da CBIC e assessor jurídico do Sinduscon-RN

Com a chegada da Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei 14.133) no plano jurídico, ainda no ano de 2021, muitas foram as expectativas criadas de quais efetivas mudanças este novo regramento iria imprimir na realidade da administração pública.

É fato que a Lei 14.133/2021 nem é tão inovadora de modo geral, vez que parte das mudanças positivadas já eram tratadas por órgãos de controle (a exemplo do Tribunal de Contas da União – TCU) como verdadeiras obrigações. Mas é certo que há muitos desafios para sua implementação.

Não obstante, especialmente para estados e municípios (principalmente os menores), a Nova Lei de Licitações e Contratos trará grandes impactos que, embora decorram de deveres já conhecidos, ainda não eram plenamente executados, como por exemplo a elaboração de Estudo Técnico Preliminar (ETP), a realização de licitações (e dispensas) em formato eletrônico, a segregação de funções, etc.

A concretização de tais mudanças também depende, em partes, de regulamentos infralegais que os entes públicos carecem editar para dar plena aplicabilidade a alguns dispositivos da Lei, ressalvada a possibilidade de uso de regulamento da União, conforme possibilita seu art. 187. Segundo o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE/SP), seriam necessários aproximadamente 65 (sessenta e
cinco) atos normativos para eficácia plena da lei (Brasil, 2023), o que demonstra que se exige preparação dos entes por ela abrangidos.

A regulamentação terá grande relevância para aplicação da legislação, embora venha passando, de certo modo, despercebida por alguns entes públicos e até mesmo pela cadeia produtiva, que poderá ser afetada.

A exemplo disso, o prazo para pagamento e os prazos para recebimento provisório e definitivo do objeto podem servir de bom expediente. Nestes casos, a Lei 8.666/1993 trazia previsão expressa: em relação ao pagamento, o prazo não poderia superar 30 (trinta) dias, tendo como data base o adimplemento da obrigação pela contratada (art. 40, XIV, a); já no caso do recebimento provisório, o
prazo era de até 15 (quinze) dias, contado da comunicação do contratado (art. 73, I, a) e no caso de recebimento definitivo, de até 90 (noventa) dias (art. 73, § 3º).

A Lei 14.133/2021, diferentemente, não trouxe de modo expresso os prazos limites para pagamento ou recebimento do objeto. Dita lei deixou à cargo dos entes a definição dos prazos de pagamento (art. 92, VI) e recebimento do objeto (art. 140, § 3º), de modo que em um país de tamanho continental como o Brasil, certamente, existirão prazos muito diferentes de um ente para outro.

Sobre este aspecto, as empresas que participarão das licitações reguladas sob a ótica da Lei 14.133/2021, logicamente, refletirão em suas composições de preços a influência dos prazos de pagamento e recebimento do objeto. A estipulação de prazos demasiados longos deverá, ao invés de beneficiar à administração, majorar os preços e acabar trazendo algum tipo de ônus à fazenda.

Um dos problemas que podem aparecer é em relação a estipulação do marco inicial para o prazo de pagamento ser relacionado à data de emissão de nota fiscal, como já ocorre em relação a IN SEGES/ME Nº 77/2022, que previu em seu art. 11 o marco inicial do pagamento contado a partir da “emissão da nota fiscal ou de instrumento de cobrança equivalente”.

No caso de obras e serviços de engenharia, além da ausência de critérios bem definidos, o marco inicial do prazo de pagamento vinculado à data de emissão de documento fiscal poderá trazer dificuldades às partes.

Afirma-se isso porque para proceder com a emissão de uma nota fiscal relativa à execução de determinados serviços em uma obra, a contratada depende de medição que irá apurar os serviços executados e dar início ao processo de pagamento. Assim, durante a execução de uma obra, a empresa ficaria completamente “na mão” da administração pública, a quem compete a elaboração da medição, sendo condição sine qua non para que pudesse emitir a nota fiscal e, só a partir de então, começar a fluir o prazo de pagamento.

Na prática, em grande parte dos casos, a administração pública nem sempre cumpre os prazos para fins de elaboração das medições. Para ilustração, imagine-se que uma empresa, em janeiro de 2023, tenha executado determinado serviço previsto em um contrato, mas a fiscalização só elabora a medição de tal serviço no mês de março de 2023. Nesta situação, embora o serviço já estivesse plenamente executado em janeiro, somente em março de 2023 a empresa poderia emitir sua nota, servindo esta data como marco inicial para fins de prazo de pagamento, aumentando os custos financeiros da empresa em razão do lapso temporal entre o custo e o retorno.

Aliás, em muitas situações em que os recursos que dão lastro financeiro à contratação são de origem de convênios e/ou contratos de repasse, a contratante, antes de finalizar a medição dos serviços depende de “aprovação” do órgão financiador, podendo aumentar ainda mais este lapso temporal entre a execução do serviço e a sua medição.

Cenário distinto é o de fornecimento de bens, vez que a contratada emite a nota fiscal no ato do envio ou da entrega do produto. Nesta situação, a data da emissão da nota pode representar um critério justo para fins de contagem de prazo de pagamento.

Ingenuamente, deve haver quem imagine que a administração sairia ganhando com esta conduta. Contudo, na prática, o que poderá ocorrer é um esvaziamento de “boas empresas” ou um incremento nos preços, em razão das indefinições e consequente aumento do risco nestas situações.

Tal realidade concretiza o que se chama de seleção adversa, panorama em que há um desestímulo à participação dos melhores fornecedores (aqueles que costumam oferecer proposta efetivamente vantajosa). Neste cenário, os licitantes menos qualificados tendem a ser os únicos a aceitarem as condições impostas, prejudicando a competitividade e a obtenção das melhores contratações pela Administração Pública, trazendo sérios prejuízos ao erário (Camelo; Nóbrega e Torres, 2022, p. 40).

Neste sentido, dentro de uma análise sistemática não só da Lei 14.133/2021, mas também dos preceitos constitucionais que vinculam a administração pública, em busca da preservação dos princípios da competitividade, eficiência, razoabilidade e proporcionalidade, assim como da economicidade, a fim de buscar a proposta apta a gerar o resultado de
contratação mais vantajoso para a administração, os contratos de obras e serviços de engenharia deveriam ter como marco inicial do prazo de pagamento a data da execução do
serviço e não da eventual emissão de nota fiscal, como forma de assegurar higidez dessas contratações.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Cartilha nova lei de licitações e contratos: lei federal nº 14.133/21. Disponível em:
https://www.tce.sp.gov.br/sites/default/files/publicacoes/Cartilha%20Nova%20Lei%20de% 20 Licita%C3%A7%C3%B5es%20e%20Contratos.2-1.pdf. Publicado em 22 de agosto de 2023. Acesso em 24/10/2023.

CAMELO, Bradson; NOBREGA, Marcos; TORRES, Ronny Charles L. de. Análise econômica das licitações e contratos: de acordo com a Lei nº 14.133/2021 (nova lei de licitações). 2ª Reimp. Belo Horizonte: Fórum, 2022

 

*Artigo publicado no Jota, no dia 06/11/2023

**Artigos divulgados neste espaço são de responsabilidade do autor e não necessariamente correspondem à opinião da entidade.

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