Jornal Estado de Minas/BR – 15/05/2011
aposta na casa própria
Com menos recursos da poupança para habitação, construtoras recorrem à
securitização e emitem títulos para financiar obras. Papéis se tornam opção de
ganho para investidores –
Paula Takahashi
A fonte de recursos para as construtoras e incorporadoras executarem
empreendimentos imobiliários está secando. Amparado quase exclusivamente na
captação da poupança, o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) nacional
busca a diversificação de recursos para manter o dinamismo do mercado. Isso
porque, já no próximo ano, a caderneta de poupança, com saldo atual de R$ 302
bilhões, não terá mais condições de atender ao volume de financiamentos que, em
2013, deve chegar à casa dos R$ 400 bilhões, segundo dados da Associação
Brasileira das Entidades de Crédito
Imobiliário e Poupança (Abecip).
Para dar conta da expansão do crédito
imobiliário, que nos últimos 12 meses chegou a R$ 60,1 bilhão, alta de
66% em relação ao mesmo período do ano passado, a alternativa mais atraente
está na securitização, modelo em que os financiamentos – recebíveis – são
empacotados, transformados em títulos – Certificados de Recebíveis Imobiliários
(CRIs) – e negociados no mercado de capitais
O que parece um palavrão está virando a salvação da lavoura para o SFI
brasileiro. Enquanto as empresas garantem novas fontes de recursos para tocar
seus projetos imobiliários, os investidores veem surgir uma nova alternativa de
aplicação financeira, principalmente aqueles que buscam investimentos de longo
prazo. Isso porque para se desfazer do título, a opção está na venda no mercado
secundário que, para esse tipo de papel, ainda não é muito desenvolvido no
país.
Antes pouco acessível aos investidores pessoa física, já que o valor mínimo
das operações era de R$ 300 mil, os CRIs estão se tornando uma realidade mais
próxima do varejo. Isso porque a Caixa Econômica Federal (CEF) transformou uma
parte de sua carteira de crédito
imobiliário em um título, que será vendido no mercado de capitais. A boa
notícia é que a aplicação mínima será de R$ 10 mil, muito inferior ao
solicitado anteriormente. A emissão inicial será no valor de R$ 232,76 milhões
e vai testar o apetite dos investidores por esse tipo de aplicação.
Estreia Quem também estreou no mercado de securitização foi a construtora
MRV, que lançou, há um mês, a primeira série de CRIs, com valor total de R$ 240
milhões. "Pretendemos fazer mais emissões porque essa será uma das
alternativas de funding (financiamento) para o mercado", avalia o
presidente da empresa, Rubens Menin.
Até então, os principais aplicadores eram fundos de pensão , bancos e
investidores qualificados. "Uma das grandes vantagens desse investimento está na isenção do
pagamento de Imposto de Renda sob os rendimentos", aponta o sócio da
Uqbar, empresa especializada em securitização, Pedro Junqueira. Os indexadores
desses títulos podem variar, sendo especialmente os índices gerais de preços ao
consumidor (IGPs). No caso dos CRIs da Caixa, o rendimento previsto é de 10%
mais Taxa Referencial (TR) ao
ano.
Hoje, uma das formas mais disseminadas de acesso da pessoa física aos
produtos de securitização são os Fundos de Investimentos Imobiliários.
"Eles puderam ter como ativo títulos de lastro imobiliário", explica
Junqueira. Nessa situação, o investidor é cotista do fundo e consequentemente
proprietário de uma parte do empreendimento, que pode ser um shopping ou um
edifício comercial.
Na origem da bolha nos EUA
Uma das grandes dificuldades de popularização dos títulos das operações de
securitização entre os investidores está na mitigação da imagem negativa que
carregam. A securitização foi considerada a principal responsável pela bolha
imobiliária norte-americana que estourou em setembro de 2008, dando início a
uma das mais profundas crises financeiras mundiais. O grande risco está na
inadimplência dos mutuários que, nos Estados Unidos, pararam de pagar as
mensalidades da casa própria, cada vez mais caras à medida que os juros subiam
para conter a inflação. Se os financiamentos não são pagos, a fonte de recursos
se esgota, e toda a cadeia é prejudicada, inclusive o investidor.
No Brasil, os analistas são unânimes na avaliação da saúde do crédito imobiliário, que dificilmente
chegariam ao cenário de subprimes, títulos com lastro fictício, popularizados
como "podres". Para o coordenador sindical do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Minas Gerais
(Sinduscon-MG), Daniel Furletti, as operações no Brasil são cercadas de atores
responsáveis por diminuir os riscos.
Além das agências de riscos, que classificam a carteira e os agentes
envolvidos na operação, ainda atuam na cadeia os services – responsáveis pela
análise da carteira. A série de emissões de CRIs da Caixa recebeu classificação
(rating) AAA devido, entre outras coisas, à elevada qualidade de crédito da
carteira lastro da operação, superior à qualidade geral dos créditos
imobiliários originados pela CEF. "O processo de securitização deve, em
todas as suas etapas, buscar a melhoria creditícia com a incorporação de
seguros e registros de cartórios", pondera Furletti.
Na CVM Sem contar que os títulos devem ser registrados na Comissão de
Valores Mobiliários (CVM), que somente no primeiro trimestre já possui 10
operações no valor total de R$ 1,1 bilhão, contra R$ 2,1 bilhões em todo o ano
de 2010. "Se temos uma boa seleção da carteira de clientes e há um
histórico bom do ponto de vista de recebíveis – financiamentos imobiliários –
tem-se uma boa fonte de financiamento", observa o sócio da PwC, João
Santos.
Ele ainda acrescenta que estamos muito longe da realidade americana.
"Não existe no Brasil uma segunda e terceira onda de securitização. Não é
um empacotamento como se tinha nos EUA", garante. Lá, alguns imóveis
chegavam a ter mais de uma hipoteca, conceito que no Brasil não é sequer
disseminado. "Aqui as pessoas estão comprando o primeiro imóvel com um
déficit habitacional enorme, sem a dimensão da especulação imobiliária
alcançada nos Estados Unidos", acrescenta Furletti.
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