Jornal Valor Econômico/BR – 18/05/2011
investidores estão de olho no caixa das construtoras
Imóveis: Após captação de R$ 20 bilhões na bolsa, chega a fatura.
Daniela D’Ambrósio
Fernando Torres
Entre 2006 e 2007, o setor
imobiliário soava quase como música ao ouvido dos investidores. Bastava
um banco de terrenos farto e uma promessa de vendas robusta para que as
empresas conseguissem abrir capital. Foi num clima de febre, otimismo exagerado
e desconhecimento de um setor ainda imaturo que 22 companhias levantaram R$ 11
bilhões, numa primeira rodada. Os anos se passaram, cinco delas tiveram que ser
absorvidas para sobreviver e as maiores – com promessa de crescimento acelerado
– voltaram ao mercado mais uma ou duas vezes. Ao todo, o setor de construção civil já levantou R$ 20
bilhões na bolsa. Quatro anos depois, os investidores chegaram à fase pesada de
cobranças. Querem – finalmente – ver o seu dinheiro de volta, o que ainda não
aconteceu.
Apesar do lucro apontado nos balanços, as incorporadoras ainda não geram
caixa. Ou seja, os gastos com construção e novos projetos superam os valores
recebidos dos apartamentos vendidos no passado. O ganho é contábil e não
representa dinheiro novo na operação – os recursos só vem, de fato, quando as
obras são entregues e os clientes que financiam a compra do imóvel são
repassados ao banco. O ciclo longo, de pelo menos três anos, e o crescimento
acelerado do setor contribuem para essa diferença entre lucro contábil e
entrada de caixa.
Levantamento feito pelo Valor mostra
que PDG, Gafisa, Cyrela, MRV, Rossi, Brookfield, Even, Eztec, Viver e JHSF, as
dez incorporadoras imobiliárias que compunham o índice do setor na bolsa (Imob)
até abril, tiveram lucro somado de R$ 8,5 bilhões desde o início de 2008 até
março deste ano. No mesmo período, a queima de caixa dessas companhias – medida
pela variação da dívida líquida – foi de R$ 14,4 bilhões. Sem contar a captação
via emissão de ações no período, a perda de caixa seria ainda maior, de R$ 20
bilhões.
Ainda que a maioria dos investidores entenda a complexidade do setor de
construção – que até cinco anos atrás não existia como alternativa de investimento – a ansiedade é notável.
O assunto geração de caixa apareceu com frequência inédita nas teleconferências
de resultados e também nos relatórios referentes ao primeiro trimestre. Os
investidores têm cada vez menos paciência para esperar, afirma um analista do
setor.
Diante das cobranças, quem conseguiu reduzir o consumo de caixa tratou de
destacar nas apresentações de resultados, caso da MRV e Rossi. Quem não gerar
caixa positivo este ano terá sérios problemas, disse Rubens Menin ao Valor na
ocasião da divulgação de resultados. Essa é a grande questão do setor,
investidores do mundo inteiro só falam nisso. No primeiro trimestre, a empresa
teve um dos menores consumos de caixa entre as grandes: R$ 68 milhões. A Rossi
teve um consumo de caixa de R$ 94 milhões nos primeiros três meses do ano,
depois de uma média de R$ 200 a R$ 230 milhões ao longo dos trimestres de 2010.
A expectativa de alguns analistas era de que a queima de caixa deixasse de
ocorrer sistematicamente no fim do ano passado, mas agora a previsão é de que
isso vire realidade no segundo semestre ou ainda em 2012. Empresas como PDG,
Cyrela, Rossi e MRV prometem que a queima de caixa vai acabar a partir da
metade deste ano ou no início do ano que vem.
A variação das ações do setor neste ano pode ser, ao menos, um indício da
atenção dos investidores ao assunto. JHSF e Eztec são as que apresentam melhor
retorno, de 31% e 22%, respectivamente. Não por acaso, ambas não fizeram novas
rodadas de emissão de ações e são as que operam com menor alavancagem. A Eztec,
aliás, tem caixa e aplicações financeiras maiores do que a dívida bruta. A
companhia começou a ter fluxo de caixa positivo no quarto trimestre de 2009.
Nossa margem é o que garante o fluxo de caixa positivo, diz Emilio Fugazza,
diretor financeiro. No primeiro trimestre do ano, a companhia teve margem
líquida de 44% para uma média setorial de 14%. As duas empresas são relativamente
pequenas, com vendas anuais próximas de R$ 1 bilhão.
Na opinião do analista do Goldman Sachs, Leonardo Zambolin, a questão do
caixa é inversamente proporcional ao nível de crescimento. A grande dúvida das
empresas nesse momento é justamente se continuam crescendo e, de certa forma,
sacrificam a lucratividade ou se aceleram menos e ajustam a operação. O
analista ressalta que o México – país que está mais adiantado que o Brasil no
setor de construção e foi tido como referência na fase das aberturas de capital
-, onde o sistema de repasse funciona bem e o ciclo é mais curto, o caixa ainda
não voltou. Na sua opinião, isso acaba desanimando alguns investidores
estrangeiros, embora a capacidade de geração de caixa das companhias
brasileiras seja reconhecidamente maior.
A conta do crescimento exagerado começou a chegar no fim do ano passado. A
luz amarela acendeu quando começaram a surgir os primeiros sinais de problemas
na capacidade de execução e atraso na entrega das obras. Mas os problemas
tornaram-se reais, de fato, quando duas grandes companhias, Cyrela e MRV, tropeçaram
no quarto trimestre por conta de estouros de orçamento das obras, e reduziram
suas margens. Enquanto o setor crescia muito, as dificuldades operacionais eram
menos evidentes, diz um analista. Até agora, as empresas têm sustentado seu
crescimento com dinheiro dos investidores e dívida, diz uma fonte do setor.
O atraso na entrega das obras – problema que muitas empresas jogam na conta
da falta de mão de obra – afeta diretamente a geração positiva de caixa.
Segundo levantamento do Banco Fator, a previsão de entregas para este ano era
de R$ 16,9 bilhões de valor geral de vendas (VGV) em 2010 e as companhias
entregaram R$ 13,7 bilhões. A segunda questão está no repasse dos clientes para
os bancos. Depois que o apartamento está pronto, o repasse pode levar de três a
seis meses para acontecer – há casos de até nove meses – o que retarda ainda
mais a chegada do dinheiro.
De acordo com as empresas e analistas, os bancos (especialmente os privados)
estão com dificuldade para absorver uma avalanche de clientes. No caso da baixa
renda, muitas vezes o problema acontece por erro da análise de crédito pela
construtora – o caso emblemático é a Tenda, comprada pela Gafisa em 2008.
O consumo de caixa está crescendo fortemente e não tem outro jeito, o
importante é controlar custos, ter disciplina pra gastar e conseguir o repasse
dos clientes de forma rápida, diz Menin, da MRV. Esse dinheiro vai voltar,
completa.
A securitização de recebíveis – contratos de financiamento de imóveis – é
uma alternativa para engordar o caixa das companhias. Apenas neste ano, PDG,
Cyrela, Brookfield, MRV e Rossi já financiaram a construção de mais de R$ 1
bilhão em apartamentos com a venda de certificados de recebíveis imobiliários.
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