Revista Istoé Dinheiro/BR – 09/05/2011
"a escassez de mão de obra qualificada vai acabar"
Ao anunciar o projeto de lei para
criar o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (Pronatec), em 27 de
abril, a presidente Dilma Rousseff admitiu que a capacitação da mão de obra já
não atende às necessidades do País
Por Denize Bacoccina e Guilherme
Queiroz
A dura missão de recuperar o atraso
nessa área está nas mãos do ministro da Educação, Fernando Haddad. Ele pretende
expandir de um milhão para três milhões o número de pessoas preparadas no
ensino técnico, que terá um investimento de R$ 1 bilhão para aumentar a oferta
de bolsas e de crédito para estudantes. Em entrevista exclusiva à DINHEIRO,
Haddad afirma que os resultados desse programa poderão ser vistos dentro de
alguns anos.
DINHEIRO – No lançamento do
Pronatec, a presidente Dilma admitiu a dificuldade enfrentada pelas empresas
para encontrar mão de obra qualificada. O programa acabará com isso? Em quanto
tempo?
FERNANDO HADDAD – Ao longo da última
década, nós mais que dobramos o número de técnicos formados no Brasil e
triplicamos o número de graduados. Tenho dito que esse esforço vai produzir
efeitos de curto prazo e as empresas vão sentir a diferença. Significa dizer
que essa sensação de escassez de mão de obra seria muito pior se o esforço de
expansão não tivesse sido feito. Se nos lembrarmos que, há 30 anos, os
engenheiros formados não tinham mercado para trabalhar, o cenário hoje é muito
melhor. Estamos num ponto em que as empresas ainda se ressentem da falta dessa
mão de obra especializada, mas essa sensação vai melhorar.
DINHEIRO – Mas a sensação entre
muitos empresários é a oposta, de que haverá um déficit ainda maior.
HADDAD – As nossas projeções indicam
o contrário. A decisão de expandir as universidades federais foi tomada em
2005. De lá para cá, dobramos as vagas de ingresso, que eram em torno de 110
mil e são agora 220 mil. Pode-se dizer que esse número já deveria ter atenuado
a sensação de déficit, mas é preciso cinco anos para formar um engenheiro. Por
isso, digo que a sensação vai diminuir. Hoje muitos investimentos em educação
estão maturando. "Queremos condicionar o seguro-desemprego à frequência em
cursos" Fila de trabalhadores requerendo o seguro-desemprego em São Paulo
DINHEIRO – De que modo essa
deficiência na qualificação atrapalha o desenvolvimento do País?
HADDAD – Em todos os sentidos,
sobretudo quando se está num ciclo de crescimento. Quando a economia não
cresce, como ocorreu nas décadas de 1980 e 1990, não se nota isso porque se
está "subcontratando". É o caso do engenheiro que abre uma loja de
sucos porque não tem mercado. Quando a economia passa a crescer, há um custo
associado ao déficit de qualificação. Mas, a sensação de es-cassez de mão de
obra qualificada vai diminuir porque hoje estamos formando muito mais do que no
passado recente.
DINHEIRO – Mas o quadro já pode ser
considerado bom?
HADDAD – Diria que há setores que
ainda se ressentem muito da falta de qualificação. Mas, no curto prazo, vai
melhorar. Sobretudo, porque o Pronatec foi lançado para uma área onde ainda não
tínhamos um programa de grande porte, ou seja, em qualificação. Muitas vezes, o
que falta é o profissional de nível médio com um preparo mais específico. Os
números mostram. Desde 2005, tivemos seis milhões de matrículas no ensino
superior e um milhão de matrículas no ensino técnico.
"Houve uma ampliação de 23% nas
vagas gratuitas do Sistema S, pelo Senai e pelo Senac"
Aluna durante aula em escola do
Senai
DINHEIRO – Por que essa diferença
tão grande entre os números de matrículas?
HADDAD – Porque começamos a expandir
a rede técnica apenas muito recentemente, começando pelo acordo com o Sistema S
( formado por entidades como o Sesc, Senac, Senai e Sesi, entre outras, com
recursos extraídos do faturamento das empresas, com a finalidade de qualificar
e promover o bem-estar social de seus funcionários), que já teve um impacto
formidável na qualificação. Em 2010, tivemos uma ampliação de 23% das vagas
gratuitas oferecidas no Sistema S, pelo Senai e pelo Senac. Pelo programa Brasil
Profissionalizado, foi feita a reestruturação do ensino médio técnico estadual.
De técnicos, já estamos formando mais de um milhão por ano, sem contar quem sai
de cursos de qualificação.
DINHEIRO – O governo espera elevar o
atual um milhão de alunos no ensino técnico para quanto?
HADDAD – Temos a meta de dobrar, que
está no Plano de Desenvolvimento da Educação (PNE), até 2020. Mas eu imagino
que possamos triplicar o número de matrículas, superando três milhões no fim da
década.
DINHEIRO – Como vai ser a
participação do Sistema S e do setor privado, de um modo geral no Pronatec?
HADDAD – O setor privado vai poder
utilizar o financiamento estudantil para empresas que queiram qualificar seus
funcionários nas escolas credenciadas pelo MEC. Neste ano, já teremos de cara
R$ 300 milhões, mas o ministro Guido Mantega (Fazenda) já sinalizou que, como
se trata de um financiamento, esses recursos podem subir. E os juros são muito
vantajosos, de 3,4% ao ano, negativos em termos reais. Temos um acordo, ainda,
com o Sistema S, que manda destinar, até 2014, dois terços da contribuição
compulsória, que incide sobre a folha, para cursos gratuitos. Temos também a
expansão da rede federal, que hoje conta com 354 unidades, sendo que 214 foram
construídas no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente
Dilma autorizou mais 200 até 2014. Isso porque o programa de Financiamento
Estudantil (Fies) para ensino superior tem mais demanda do que oferta. Temos um
orçamento de mais de R$ 2 bilhões em convênios firmados, desde 2009.
DINHEIRO – Qual é o orçamento desses
projetos?
HADDAD – Se considerarmos todos os
programas ligados ao Pronatec, incluindo o que a União vai investir, o Sistema
S e os recursos do Fies, dá mais de R$ 10 bilhões. São recursos novos, além dos
R$ 60 bilhões de orçamento do Ministério da Educação.
DINHEIRO – Como se definem os cursos
que serão criados e onde? HADDAD – Infelizmente, teremos de começar onde houver
capacidade de oferta. Temos poucas escolas técnicas no Brasil e, à luz das
necessidades, deveríamos ter o dobro ou o triplo do atual. Mas o Pronatec vai
favorecer a expansão da oferta porque o BNDES terá uma linha de financiamento
para ampliação da rede física. Do lado da demanda, haverá as bolsas e o
financiamento estudantil para as empresas. Então, temos uma combinação virtuosa
de oferta e demanda. Nos próximos anos, teremos mais pessoal capacitado, tanto
para a construção civil, que está com um gargalo enorme, quanto para outras
áreas técnicas.
DINHEIRO – Mesmo perto do pleno
emprego, não houve queda nos gastos com seguro-desemprego. A qualificação
melhora isso?
HADDAD – Algo que estamos pensando é
condicionar a concessão do seguro-desemprego à frequência em cursos
profissionalizantes, sobretudo para os reincidentes. A lei autoriza a União a
condicionar o pagamento do benefício ao comparecimento a um curso. Não vamos
negar o benefício ao desempregado, mas ao fazer o curso de qualificação o
trabalhador reduz a chance de voltar a depender desse dinheiro. Hoje o
seguro-desemprego consome R$ 24 bilhões. DINHEIRO – Como o Brasil se compara
com outros países na formação de mão de obra?
HADDAD – Isso depende para onde
olhamos. Tanto do ponto de vista qualitativo como do quantitativo, a educação
brasileira está sendo notada pelos organismos internacionais, como os da OCDE,
do Banco Mundial, da Unesco. Por exemplo, o Banco Mundial destacou o aumento da
escolaridade brasileira, que superou em proporção ao da China. O da OCDE coloca
o Brasil entre os países que mais evoluíram em qualidade na década, embora
partindo de um patamar ainda baixo. Há um certo consenso de que nós tiramos a
educação brasileira da inércia. Nos últimos cinco anos, nós elevamos em um
ponto porcentual o investimento em educação em relação ao PIB, de 4% para 5% do
PIB.
DINHEIRO – A meta é chegar a quanto?
HADDAD – A ideia é chegar em 7% até
o fim da década. O PNE está agora no Congresso Nacional, onde vamos discutir
quando vamos chegar a 7%. DINHEIRO – O relatório do Banco Mundial diz que o
Brasil investe tanto quanto outros países, só que com maus resultados…
HADDAD – Vamos ponderar. Educação
não se compra à vista nem em suaves prestações. Não adianta chegar a 5% do PIB.
A questão é durante quanto tempo se investiu 5% do PIB e essa é a pergunta que
o relatório não faz. É um fruto que se colhe numa geração. Só agora começamos a
investir isso. Os outros países já investem esse percentual há décadas. E, no
século passado, o Brasil investiu cerca de 2% do PIB. Não é em um ano que vamos
pagar uma dívida de 100 anos.
DINHEIRO – Os empresários se queixam
muito da distância entre o currículo das universidades e a realidade da
indústria. O sr. concorda? HADDAD – O plano de expansão previa também a
reestruturação curricular. Essa dimensão não foi tão valorizada pelas
universidades quanto a expansão. Isso é correto afirmar. Mas há universidades
que têm projetos pedagógicos diferenciados.
DINHEIRO – A presidente Dilma
anunciou 75 mil bolsas para formação no Exterior na área de exatas até 2014 e
pediu que o setor privado financie mais 25 mil. Já tem empresas interessadas
nesta parceria?
HADDAD – Ainda não deu tempo, vamos
começar a conversar com as empresas agora. Vamos dividir essas bolsas
principalmente em duas categorias: bolsas de doutorado e uma graduação
sanduíche, na qual o aluno faz um ano da graduação numa instituição parceira no
exterior. Isso tem um impacto muito grande na volta, pela experiência que ele
viveu, e os custos são relativamente baixos. Hoje temos cerca de 5,5 mil
estudantes em intercâmbio no Exterior e queremos aumentar para 100 mil até
2014.
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