O Estado de S. Paulo/BR
Diferenças brasileiras são causa de insucesso
Para empresários brasileiros, mercado nacional tem uma série de peculiaridades que os estrangeiros desconhecem.
A falta de familiaridade com as peculiaridades da burocracia brasileira e com o próprio mercado imobiliário do País são os principais ingredientes do insucesso de empresários europeus no programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), apontam empreendedores brasileiros.
"Houve uma onda muito grande de empresas estrangeiras que não conhecem muito bem a diferença do Minha Casa, Minha Vida em relação à incorporação imobiliária tradicional e se arrependeram. A competência exigida para o programa é diferente, não tem margem de erro. A 'cultura burocrática' também é bem distinta, pois se gasta mais tempo com a burocracia que com a obra", diz Felipe Cavalcante, presidente da Associação para o Desenvolvimento Turístico e Imobiliário do Brasil (Adit Brasil).
Ele observa que a participação de sócios estrangeiros nos empreendimentos do MCMV também foi uma novidade para a Caixa. "Não havia normatização disso na Caixa. Só aí a empresa já perde cerca de um ano", diz. "Por essa razão, muitos investidores que vieram para o Brasil acreditando que bastaria ter dinheiro para comprar o terreno para a construção de apartamentos para o MCMV e teriam um alto retorno num curto espaço de tempo se deram mal."
Nesse cenário, como se trata de um negócio com margens muito apertadas e os custos da construção aumentam em um ritmo rápido enquanto os preços estabelecidos para os imóveis não se alteram, muitos empresários viram a rentabilidade dos negócios despencar, ou simplesmente inviáveis. "A diferença é monstruosa. Tem de ter habilidade para administrar baixas margens de lucro", ressalta.
Diferenças. Ter tecnologia e experiência no mercado espanhol não é suficiente para garantir sucesso no Brasil. "Em um país em recessão como a Espanha, muitas empresas ficaram loucas ao saber do programa do governo brasileiro para a construção de 2 milhões de moradias populares. Elas acharam que iam chegar aqui e deitar e rolar, mas a falta de habilidade para lidar com as peculiaridades do nosso mercado foi principal responsável pelo fracasso de muitas delas", diz José Carlos Martins, vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). "Há casos absurdos. Teve uma empresa que nos procurou e disse que investiria RS 100 milhões para construir uma fábrica no Brasil, mas não tinha terreno nem um parceiro local."
A CBIC estima que, em 2012, houve uma redução de cerca de 30% nos lançamentos de empreendimentos imobiliários em geral. No caso do MCMV, Martins considera que uma das principais causas é o descompasso entre a evolução da renda dos consumidores e o dos preços dos imóveis, o que afeta o mercado como um todo. Apesar da desaceleração, ele destaca a importância do programa, que passou a atender um mercado até então inexistente e se tornou o produto principal de muitas empresas.
As diferenças entre o padrão de moradias do MCMV e o europeu acabaram desestimulando a espanhola Convip de investir no País, relata Danilo Dória Solari- no, diretor brasileiro da Advaes Group, empresa gestora de projetos da Bahia, voltada para empresários estrangeiros, que buscam o Brasil como oportunidade de novos negócios. "Eles participaram de um road show sobre o MCMV, mas quando viram os padrões de construção tiveram vontade de sair correndo", diz.
O executivo explica que, como a construção civil no Brasil ainda é ancorada, principalmente, na mão de obra braçal, diferente da Espanha, onde o processo de automatização no segmento é bastante avançado, a Convip aplicou os recursos que seriam destinados ao MCMV em empreendimentos de alto padrão.
Procurada, a Caixa informou que as operações nas faixas 2 e 3 do MCMV (que envolvem as empresas citadas na reportagem) são "operações de mercado" e, portanto, "estão protegidas pelo sigilo bancário". O banco não se manifestou sobre as críticas específicas das empresas em relação ao programa. A Caixa limitou-se a dizer que "realiza em média 5 mil contratações por dia e detém mais de 90% da habitação social do País e mais de 50% de operações de mercado".
A instituição informou ainda que mantém pontos de controle mensais do MCMV com entidades e grupos de construtoras, com discussões permanentes sobre produtos e processos. "Nessas reuniões, as empresas podem levar reclamações e sugestões para aprimoramento dos processos da Caixa."/ K. M.
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Queda
30%
foi a queda no lançamento de imóveis em geral no Brasil no ano passado, segundo estimativas da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC)
90%
das habitações sociais (para famílias de renda mais baixa) no Brasil são financiadas pela Caixa Econômica Federal, de acordo com o próprio banco.
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