Publicado em 12/07/18 às 05:00

Desde 2016 a rede Philanthropy for Social Justice and Peace (PSJP) publica relatórios sobre a filantropia em países emergentes. O objetivo é identificar o papel que as doações exercem no mundo e quais as peculiaridades e semelhanças que podem ser observadas em cada uma das realidades analisadas. Depois de Índia, Rússia e Oriente Médio, no início de junho foi publicado o estudo referente ao Brasil.

Para elaborar o texto, Caroline Hartnell e Andrew Milner se valeram de publicações e de entrevistas com profissionais dos setores filantrópico e social brasileiros. O relatório cobre diversas áreas como a filantropia corporativa, fundações familiares, fundos independentes, fundações comunitárias, investimento de impacto e doações de pessoas físicas. A partir do olhar estrangeiro se constrói uma narrativa que nos convida a ver nossas práticas por um novo ângulo.

Somos a nona economia mundial e o oitavo país em número de bilionários, mas na edição de 2017 do Índice de Doações Mundiais publicado pela Charities Aid Foundation (CAF) ocupamos só o 75º lugar. A cultura de doação no Brasil é ainda incipiente. O termo filantropia é muitas vezes associado a ações assistencialistas. Os autores destacam que os brasileiros preferem falar em investimento social privado, expressão que ganhou força na década de 1990. Outra característica é que a filantropia é majoritariamente empresarial. No Brasil, não há tanto o ato da doação, predominando as organizações que realizam seus próprios projetos.

O relatório deixa evidente que a atual crise política e econômica nacional teve impactos sobre o setor filantrópico. Os autores alertam que a emergente onda conservadora amplia o desafio e a necessidade de organizações que atuam no campo dos direitos humanos, especialmente em temas como a equidade de gênero e racial. Outro destaque é que a crise deixa marcas na reputação das ONGs, afetando as doações de pessoas físicas que passaram a duvidar da idoneidade das organizações.

Porém, há avanços. A ampliação recente do número de fundações familiares, por exemplo, está trazendo mais recursos e cabeças para o campo. O progresso quantitativo e qualitativo da filantropia corporativa também é mencionado. No Brasil, o volume de doações sobre o lucro das empresas estaria próximo aos patamares norte-americanos, porém a informação é contrabalanceada com a constatação de uma queda relevante (19%) nas doações privadas entre 2015 e 2016, mais um reflexo da recessão econômica. Além disso, ganham menções positivas o investimento de impacto – tendência entre as novas gerações de filantropos – e as inciativas que se disseminam em torno do fortalecimento da cultura de doação.

Ao analisar as limitações para o crescimento da filantropia no Brasil, o estudo desenha uma agenda estratégica a ser endereçada. De um lado, está a necessidade de rever o imposto cobrado sobre as doações (4%), de outro, a necessidade de criar uma legislação específica para fundos patrimoniais, transmitindo segurança para quem contribui com este modelo de financiamento. Sabemos que nem sempre a visão estrangeira oferece a melhor análise ou a receita mais adequada. Porém, neste caso, ao destacar o papel que a filantropia tem tido no Brasil e qual pode vir a ter, fica a provocação para que mais recursos privados sejam direcionados para temas de interesse público. E neste campo todos ganham.

Rafael Gioielli é gerente geral do Instituto Votorantim

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