CBIC defende FGTS para obras e pede cálculos sobre liberação de saques
A Comissão Mista da Medida Provisória n° 889 de 2019, que institui a modalidade de saque-aniversário do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS), encerrou na manhã desta quinta-feira (26), no Senado Federal, em Brasília, a sequência de três audiências públicas para instrução da matéria. O encontro teve como convidado o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, que levou posicionamento contrário à ampliação dos saques e pediu transparência dos cálculos do governo que basearam a proposta, a fim de possibilitar a análise pública do impacto gerado.
Martins apresentou um histórico do Fundo e sua importância para o financiamento da habitação, saneamento e infraestrutura. Ele também demonstrou a relevância do setor para a composição do Produto Interno Bruto (PIB) e para a geração de empregos.
“A medida pode prejudicar seriamente a construção civil e, por consequência, a população, pois puxa consigo 62 outros setores da nossa economia. Quando o PIB do setor sobe, o PIB do Brasil cresce, e vice-versa”, alertou Martins. “Nossa atividade é duramente afetada por esses saques. Não é liberando R$ 500 para comprar produtos na China que nós vamos fazer o Brasil crescer. O comércio pode até ativar no primeiro instante, mas, depois, o resultado é criação de emprego em outros países”, explicou o presidente da CBIC. Ele comentou que cada R$ 1 milhão de investimento em construção civil resulta em 7,64 empregos diretos e R$ 772 mil em renda direta e indireta.
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Defasagem no Fundo pode prejudicar investimentos
Os saques especiais já estimados pelo governo somam R$ 40 bilhões de reais e, junto com o saque aniversário em 2020, podem prejudicar os orçamentos de contratações futuras nas bases atuais, que correspondem a R$ 79 bilhões por ano. Numa linha do tempo, Martins demonstrou a evolução dos valores de contratações do FGTS e do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) entre 2003 e 2019 e apontou que o aporte do primeiro diminuiu com o início da liberação de saques.
Outro dado relevante é que nos últimos 10 anos, o Fundo injetou na economia mais de R$ 1,31 trilhões. Se a MP for aprovada esse valor pode cair consideravelmente na próxima década. “Precisamos discutir o financiamento do desenvolvimento urbano. Em 2014 o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] liberou R$ 64 bilhões. Hoje o PAC não deve somar R$ 10 bilhões. Como vai se arranjar dinheiro para o resto disso? Como é que vai se financiar mobilidade, destinação de resíduos sólidos, saneamento. Isso aqui [FGTS] foi feito para isso”, asseverou. “Como fica o novo programa habitacional do governo federal, que está sendo construído? Há um déficit de sete milhões de moradias para enfrentar”, pontuou.
Martins pediu acesso aos cálculos do governo que basearam a liberação de saques para analisar o cenário e entender como o saque não irá afetar os investimentos e a reserva legal obrigatória do Fundo. “Estamos reduzindo a produção do programa Minha Casa Minha Vida. Ele representa 2/3 do mercado imobiliário brasileiro, que emprega mais de 1 milhão de pessoas”, exemplificou. Ele reforçou a necessidade de que a ação seja mais discutida e de ter os números na mão. “Estou há 3 meses tentando me convencer de que essa proposta é boa. E fico cada vez mais convicto de que ela é ruim”, destacou.
O presidente da CBIC esclareceu que o desconto do financiamento não é pago pelo trabalhador, pois são parecidos os valores de operação de financiamentos e o saldo das contas vinculadas. “Se começar a sacar esses valores do patrimônio, que gera renda e concede o desconto, teremos mais problemas”, resumiu.
Martins ainda frisou três pontos sobre a administração do FGTS, buscando desmistificar falsas premissas que depreciam o Fundo:
- O FGTS é um investimento garantido, com aval do Tesouro e da Caixa, e foi muito bem administrado ao longo do tempo, passando a atrair tentativas de utilização para novas finalidades;
- O custo do agente operador precisa ser discutido e revisto, pois hoje é de 1% sobre um ativo de R$ 500 milhões, e poderia baixar o custo de operação do FGTS e melhorar muito a necessidade de subsídio para as famílias;
- A administração do FGTS é muito concentrada e também precisa ser revista. Ele também defendeu a governança tripartite com presidência rotativa.
Encerrando sua participação, José Carlos Martins recuperou um trecho da exposição de motivos do FGTS, escrito pelo economista Roberto Campos em 1966. “O atendimento à demanda habitacional existente contribui substancialmente para a criação de novos empregos elevando-se a demanda de mão de obra proporcionando-se assim aumento da real estabilidade dos empregos”, leu o executivo.
Ouvir setores da sociedade faz parte do processo para que o relator da MP, deputado federal Hugo Mota (Republicanos-PB), possa aprimorar o relatório que ele apresentará à Comissão, presidida pelo senador Chico Rodrigues (DEM-RR), o que está previsto para o início de outubro. Ambos participaram da audiência pública. Depois de analisada pelo colegiado, a MP ainda precisará ser aprovada pelos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado.
Também participaram da audiência como convidados o presidente do Conselho Curador do FGTS, Igor Vilas Boas de Freitas; o técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Alexandre Sampaio Ferraz; e o vice-presidente da Força Sindical, Antônio de Sousa Ramalho.
A Medida Provisória n° 889, de 19 de agosto de 2019, altera a Lei Complementar nº 26, de 11 de setembro de 1975, para dispor sobre a possibilidade de movimentação das contas do Programa de Integração Social – PIS e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – Pasep, e a Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, para instituir a modalidade de saque-aniversário no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, entre outras providências.