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23/02/2022

Artigo – Uma nova solução para uma velha questão

Ayrton Sérgio Rochedo Ferreira, da Rochedo Ferreira & Consultores, é consultor do projeto Desenvolvimento de Lideranças da CRS/CBIC

Em todo o conhecimento disponível sobre comportamento humano, não há nenhuma indicação que nos permita afirmar que pessoas insatisfeitas trabalhem melhor. A realidade objetiva nos mostra exatamente o contrário: pessoas insatisfeitas normalmente trabalham com baixo desempenho, que pode ser constatado no produto de seu trabalho, na motivação com que o executam ou no comprometimento com que se engajam nele.

A questão passa a ser então:

  1. A satisfação que as pessoas precisam para trabalhar poderá vir do próprio trabalho?
  2. Em que medida os gestores serão responsáveis por isso?

Neste ponto o mundo da gestão parece se dividir em dois. De um lado estão aqueles gestores que, com sabedoria, obtém equipes satisfeitas e motivadas. No outro aqueles que acham que os fatores de satisfação são inatingíveis na sua totalidade e que, portanto, suas equipes nunca estarão completamente contentes com o que fazem, não valendo a pena, portanto, dedicar-se a esta questão.

O que divide os gestores nestes dois mundos? Talvez a forma como vivem a vida organizacional.

Estes últimos trabalham para cima, para a satisfação dos chefes. Como, intrinsecamente, trabalhar para chefe não é uma fonte legítima de prazer, mas de segurança e sobrevivência profissional, eles também não concebem como suas equipes podem experimentar algum prazer no trabalho, já que eles próprios só experimentam o peso de se manterem alertas, a cada dia, antecipando-se às cobranças e reclamações da hierarquia superior. Sendo assim, concebem que todos devem colocar o foco de sua atividade na atenção e prioridade aos níveis superiores, como eles fazem, para evitar encrencas, garantir sustentação e sobrevida organizacional.

Outros gestores, ao contrário, focam suas equipes para a cadeia de atendimento horizontal, retirando desta perspectiva verdadeiras possibilidades que torna prazeroso e gratificante o seu trabalho. Estes encontram permanentemente o sentido de seus desempenhos pelo feedback de seus clientes internos e externos e se gratificam pelo impacto positivo que suas equipes agregam aos resultados da Organização.[1]

A principal diferença entre trabalhar para cima – com foco na estrutura hierárquica – e trabalhar para a cadeia horizontal de processos, na direção do atendimento aos clientes, se encontra no entendimento do que seja trabalhar para uma Organização de negócios. A perspectiva do cliente interno e a nova lógica organizacional trazem uma resposta nova e alentadora para a questão da satisfação no trabalho.

Os psicólogos e especialistas em desempenho organizacional sempre recomendaram aos gestores que propusessem novos desafios e autodesenvolvimento às suas equipes, como forma de criar climas motivadores para despertar o comprometimento. A implantação destas mudanças, no entanto, sempre se deu sob a ótica da autoridade hierárquica, na organização vertical. Com este olhar, o autodesenvolvimento e os desafios sempre se traduziram em novas formas de atender ao chefe, como, por exemplo, buscar novos conhecimentos e habilidades para se aproximar mais das expectativas e da competência da chefia visando às futuras promoções. Assim, o objeto maior do investimento nunca foi o cliente e sim a estrutura hierárquica.

Essa é a velha questão! A administração nasceu e se desenvolveu para atender ao chefe e esta cultura retira do trabalho uma boa parte da satisfação que as pessoas poderiam encontrar, porque enquadra a intenção do bom desempenho somente na manutenção de certa fidalguia do subordinado ao superior. É como se o desempenho de uma pessoa tivesse por finalidade única agradar outra que, pela hierarquia, detivesse o poder sobre a sua sorte na Organização.

Somos todos clientes

Quando uma equipe percebe a relação clara entre seus desempenhos e a satisfação dos seus clientes internos e externos no processo horizontal, todos se sentem trabalhando por um objetivo maior, que é de todos e interessa ao futuro de cada um.

Essa é a nova solução para a velha questão: desapropriar dos chefes os desempenhos das suas equipes! Embora seja deles a responsabilidade pela qualidade dos desempenhos de seus integrantes, estes desempenhos não foram feitos para o seu proveito, mas de seus clientes e não poderão continuar servindo somente para evitar reclamações superiores e atender à cobrança implacável dos “chefes dos chefes”.

A concepção da Empresa horizontal como “mercado” de relações internas, exige uma nova visão. Todos nós vivemos o papel duplo de fornecedor e cliente interno que nos atribui o dever de atender bem as exigências da cadeia de atendimento, mas principalmente, nos cobra a responsabilidade de exigir atendimento.

Esta responsabilidade é transformadora. Quando todos souberem exigir como clientes a humanidade poderá se tornar, finalmente, a cliente final do progresso.

[1] Herzberg examina esta questão em seu clássico artigo “Mais uma vez: como motivar seus funcionários?”. (Herzberg, Frederick: HBR Classic, 1987).

*Artigos divulgados neste espaço são de responsabilidade do autor e não necessariamente responsável à opinião da entidade.

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