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08/06/2018

Regras novas, jogadores velhos

Leonardo Barreto, cientista politico e consultor da CBIC

Imagine que você está assistindo a um jogo de futebol na forma como o conhecemos hoje. Mas, de repente, aos 25 minutos do segundo tempo, a regra do impedimento deixa de valer.

Após a confusão inicial, todos teriam que assimilar à nova forma de jogar, mas com a bola rolando. Zagueiros e atacantes teriam que reaprender rapidamente o melhor posicionamento. Aqueles com maior capacidade de adaptação, e não necessariamente os mais habilidosos, venceriam.

Embora analogias entre realidade e futebol sejam simplistas, a ideia principal dessa passagem é sofisticada. As instituições brasileiras – as regras do jogo – mudaram profunda e rapidamente nos últimos anos, exigindo que atores já exaustivamente treinados sejam obrigados a mudarem, sob o risco de não permanecerem no jogo econômico e político.

O pilar desta mudança é a “revolução da transparência”, como pontuou recentemente o ex-deputado federal Fernando Gabeira. Isto significa uma digitalização do mundo que decretou o fim do espaço privado e do direito ao esquecimento. Tudo o que é feito, é conhecido e fica registrado em bancos de dados que podem ser acessados instantaneamente por qualquer um.

No caso das empresas, este contexto é ainda mais arriscado. Além do fenômeno da digitalização, há a questão do “transbordo da comunicação”, isto é, o fato de que todo colaborador de uma companhia, do cargo mais básico até o seu presidente, é seu porta voz formal ou informal. Quando um operário de uma construtora é flagrado, por exemplo, flertando uma menina que passa na rua, é o presidente que será interpelado pelo ato: “afinal, que tipo de treinamento você dá ao seu funcionário”?

A revolução da transparência se materializou nas leis de combate à corrupção. Mesmo que inicialmente reticente, o poder público não conseguiu resistir às manifestações populares por um novo tratamento a casos de desvios tornados públicos com frequência cada vez maior.

Além do novo arcabouço legal contra o crime organizado e a corrupção, aprovados no Legislativo, o Judiciário revogou em série interpretações que eram pró-réu. Como disse um conhecido advogado de instâncias superiores, “nós nunca ganhamos tanto dinheiro. Mas nós nunca perdemos tantas ações”.

A reação acontece também na forma de ações preventivas. Vários governos estaduais aprovaram novas leis determinando que políticas de ética e compliance se tornassem item obrigatório para empresas interessadas em manter contratos com o setor público.

No mundo corporativo, na medida em que os riscos dessa nova realidade vão sendo identificados, os programas de integridade vão se tornando mais rigorosos. Nesse sentido, torna-se uma questão de tempo até que o risco corrupção se torne um importante fator de decisão de investimentos.

Quando uma indústria tiver que escolher um estado onde instalar uma nova planta, considerará, além de aspectos logísticos, de infraestrutura e proximidade do mercado consumidor, as chances de sofrerem ou não achaques de agentes públicos. Afinal, com pressão de códigos de ética cada vez mais duros, gestores não vão querer arriscar suas carreiras.

Lugares mais corruptos se tornarão cada vez mais pobres.

A mudança é veloz. Mas isso não significa que ela seja linear ou uniforme. Alguns países, estados ou cidades vão mais rápidos do que outros e há muita resistência institucional. Além disso, o investimento em uma postura mais criteriosa exige investimentos e até perdas de negócios no curto prazo. Por exemplo, várias consultorias internacionais possuem estudos mostrando que empresas têm desistido de concorrências em razão de identificarem nelas riscos de corrupção…

De todo modo, está claro que não se trata de uma moda. A operação Lava-Jato apenas colocou luz e acelerou um processo que já é estrutural. Nesse sentido, a questão nem é mais se o país mudou para valer, mas saber quem vai sobreviver, quem vai sair do outro lado.

Está instalado um novo período de darwinismo político e econômico no Brasil. Aquele com maior capacidade de adaptação sobreviverá e se perpetuará. E, assim como no jogo de futebol, não é necessariamente o mais forte ou o mais habilidoso que vencerá, mas aquele com maior percepção do seu espaço e sensibilidade para mudar, gerindo melhor seus riscos de imagem e abandonando velhas práticas, se elas existirem.

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