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16/02/2018

O custo de errar e o custo de acertar em Saúde e Segurança no Trabalho

Os setores produtivos vêm se tornando, gradativamente, objeto de forte regulamentação pelo Estado nos assuntos de Saúde e Segurança no Trabalho. Isto afeta fortemente o setor da Construção.

O arcabouço de instrumentos legais, ainda em processo de evolução, inclui, entre outros dispositivos, o Seguro de Acidentes de Trabalho, o Fator Acidentário de Prevenção, o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário e a Ação Regressiva Acidentária.

Colocados em suas prateleiras, na estante de munições legislativas, estes dispositivos assemelham-se pela lógica básica que lhes deu origem: recuperar ao máximo o ônus do Estado quando assiste trabalhadores vítimas do exercício de suas funções.

Uma rápida visão de suas naturezas permite perceber o alinhamento de suas finalidades.

  • O Seguro de Acidentes de Trabalho (SAT) é uma contribuição tributária que incide sobre as empresas, para custear benefícios da Previdência Social relacionados com acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. O Seguro de Acidentes do Trabalho recebeu em 2010 o Fator Acidentário de Prevenção (FAP) como multiplicador e na Indústria da Construção passou a representar 3% da folha de pagamento x FAP.
  • O Fator Acidentário de Prevenção (FAP) é um multiplicador que afere o desempenho da empresa com relação aos acidentes de trabalho. Dependendo deste desempenho o FAP permite reduzir à metade ou até duplicar a alíquota de contribuição do Seguro de Acidentes do Trabalho. Pela metodologia do FAP as empresas que registrarem maior número de acidentes ou doenças ocupacionais nos últimos dois anos, pagam mais.
  • O Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) permite ao INSS estabelecer uma relação de causa e efeito entre as funções exercidas pelo trabalhador na empresa e danos incapacitantes porventura constatados em sua saúde. Esta relação visa auxiliar a análise pericial para definir a natureza da incapacidade.
  • A Ação Regressiva Acidentária é um instrumento judicial que visa ao ressarcimento dos valores despendidos pelo INSS com prestações sociais acidentárias pagas aos trabalhadores, em virtude de acidentes sofridos no desempenho das atividades laborais pelo descumprimento da norma protetiva.

São instrumentos eficazes que produzem consequências importantes, pontuais ou remotas nos custos de uma empresa causados pelos acidentes e afastamentos.

O Governo Federal, através da Advocacia Geral da União, tem atuado de maneira efetiva na busca do ressarcimento aos cofres públicos do pagamento de benefícios sociais relacionados aos acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. Estudos indicam que os custos decorrentes dos afastamentos (custos previdenciários) podem ultrapassar em oito vezes o maior custo unitário de um acidente do trabalho, por força dos instrumentos legais em vigor.

Esta ação regulatória sistêmica parece funcionar inicialmente como instrumento de pressão, na medida em que os setores da indústria não estejam adequadamente preparados para responder às exigências da legislação, tornando as empresas alvo de represálias legais e financeiras pesadas, sem contar a responsabilidade civil e criminal presente em casos extremos.

No entanto, é necessário outro olhar, mais abrangente, para situar a questão numa perspectiva adequada. O que pressiona os setores, principalmente o da Construção nesses casos, é uma visão incompleta, senão distorcida, que confunde os altos custos que a legislação impõe, decorrentes de acidentes e afastamentos, com os custos que fazem funcionar a Saúde e a Segurança no Trabalho. A saúde e a segurança do trabalhador não custam tudo isso! A falta delas, sim! Este é o espírito da lei.

Para entendermos o contexto completo onde se desenvolve este assunto é necessário visualizarmos o pleno funcionamento de quatro fatores que fazem acontecer o trabalho seguro: os comportamentos do empresário, do gestor, do trabalhador e a presença da Norma, orientada e sustentada técnica e conceitualmente pelo SESMT – Serviço Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho. Há uma articulação importante entre estes fatores que não pode ser ignorada, sob pena de passarmos a administrar o custo do erro, ao invés do acerto.  (Fig. I)

 

Antes de tudo é necessário compreender que o compromisso básico da Saúde e Segurança no Trabalho é com a promoção do trabalho seguro, ou seja, um trabalho onde as equipes pensam e planejam saúde e segurança antes de usarem o EPI. Este compromisso, além de ser mais edificante é o único capaz de situá-la num campo de viabilidade econômica e financeira. Fora dele, os custos do erro começam a se impor.

O trabalho seguro é um valor que precisa antes ser desejado pela administração, depois valorizado pelos gestores e compartilhado por todos, em todos os níveis.

Nesta articulação destaca-se, em primeiro lugar o papel do empresário como agente formador desse valor para seus gestores e o papel dos gestores formando suas equipes nesses mesmos valores.

É uma questão de educação, como são todas as questões que desejamos incorporar à cultura de uma empresa.

Neste ponto entra em cena a liderança, importante recurso que as Organizações dispõem para construir e sustentar valores corporativos por meio de seus empresários e gestores.

Três premissas descrevem o papel da liderança na sustentação do trabalho seguro.

  1. O líder é um treinador permanente de sua equipe, ao invés de somente um comandante.

Essa premissa faz uma enorme diferença no efeito final esperado, porque redefine a cultura hierárquica clássica erigida sobre o altar da obediência.

Segundo as lentes tradicionais, ao comandante se atribui a obrigação de comandar, não necessariamente de formar. Os recursos formativos são aportados lateralmente, por especialistas, como o são, neste caso, o Médico e o Enfermeiro do Trabalho, o Engenheiro e o Técnico de Segurança do Trabalho. Mas sabemos hoje que o especialista pode desenvolver conhecimentos e habilidades, mas só a liderança, no trato diário com sua equipe, forma, sustenta atitudes e desenvolve novas visões e perspectivas em relação ao trabalho.

  1. O líder patrocina um trabalho seguro para a equipe.

No campo das relações humanas, patrocinar tem um significado importante que muitas vezes escapa à percepção cotidiana. Não é somente autorizar ou valorizar, é inspirar pessoas, pelo exemplo e pelo reforço, a seguirem direções e ideias. É criar verdadeiras possibilidades, ao invés de somente expectativas, para as pessoas seguirem o caminho patrocinado.

  1. O líder atende ao Cliente, mas sem abrir mão da integridade do ser humano na produção das entregas.

Todos estamos convocados à tarefa de re-conceber o significado de sucesso nos negócios, nas dimensões empresa, cidadania e sociedade; o trabalho seguro precisa ser pensado nessas três dimensões.

Sabemos o quanto esta terceira premissa depende das duas primeiras para se tornar realidade.

E qual o papel da Norma?

Num sentido geral, o papel da Norma é reduzir o grau de dispersão de comportamentos individuais quando se trata de atender a situações de interesse coletivo. Desta forma, no caso da SST, a Norma evita que o tão falado “bom senso” abra espaço para “opiniões pessoais”, quando se trata de fazer a coisa certa.

Perante a Norma todos têm igualmente o compromisso da conformidade, com responsabilidades variadas dependendo do nível hierárquico.

Mas está claro que só a imposição da Norma não basta.

Deixar a saúde e a segurança dos trabalhadores por conta da leitura da Norma é como deixar a salvação eterna por conta da leitura da Bíblia.

A Norma orienta e instrui. Mas são as pessoas (empresários, gestores e trabalhadores) com suas convicções e orientadas pelo SESMT na interpretação na Norma, que emprestam ação e compromisso à saúde e à segurança no trabalho, orientadas e instruídas pela Norma.

Quando esta articulação não funciona surgem as não conformidades e entra em cena a legislação, gerando consequências financeiras e legais que a liderança e a convicção das pessoas não foram capazes de evitar.

Onde o trabalho seguro ainda não representa um valor e as lideranças não assumem um papel educativo, olha-se mais para as consequências financeiras do que para a ação e o compromisso, correndo-se o risco de esquecer a razão de ser da gestão da saúde e da segurança no trabalho. Com essa perspectiva equivocada os custos de acidentes e afastamentos se confundem com os custos de se praticar SST.

A imposição da Norma como único e primordial fator de sustentação da saúde e da segurança, sem o envolvimento das lideranças, desvia o foco do trabalho seguro para a segurança normativa, opção burocrática de efeito precário.  Estes dois focos se contrapõem e determinam dois extremos na forma de tratar a questão. A tabela a seguir analisa estes dois mundos em várias dimensões.

 Segurança Normativa e Trabalho Seguro

Somente a perspectiva do trabalho seguro permitirá que as questões relacionadas à saúde e segurança no trabalho evoluam de uma obrigação a cumprir para um valor institucional, portanto inegociável e nunca preterido pelo prazo, pelo custo ou mesmo pelas demandas dos Clientes.

Os custos de cultivar e sustentar o trabalho seguro serão sempre inferiores aos decorrentes de acidentes e afastamentos.

É verdade que o custo de errar é mais alto somente quando o erro ocorre, mas abrir mão do trabalho seguro e optar somente pela imposição da Norma é como trocar a consciência pelo risco.

É como negar à uma pessoa o direito de se tornar adulta só porque é mais fácil pagar a quem tome conta das crianças.

O trabalho seguro começa na liderança e é uma questão de cidadania.

Ayrton Sérgio Rochedo Ferreira

Consultor do Projeto Jovens Líderes do Fórum de Ação Social e Cidadania da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Fasc/CBIC)

 

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