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22/10/2019

Artigo do Especialista: Mapas para conferir segurança jurídica à matriz de risco

Luiz Ugeda é advogado do Porto Advogados. Doutor em Geografia (Universidade de Brasília) e doutorando em Direito (Universidade de Coimbra)

A imprecisão territorial confere aos empresários uma grande insegurança jurídica. O Brasil, país com 8,5 milhões de quilômetros quadrados, acaba obtendo outra dimensão quando se soma a área registrada nos cartórios. Muitos chegam a afirmar que o “Brasil cartorial” chegue a ter 9,2 milhões de quilômetros quadrados. Para efeito do Cadastro Ambiental Rural (CAR), o Serviço Florestal Brasileiro afirma que todas as regiões do país já se encontram com sobrecadastramento.

Sem a certeza se as propriedades são das pessoas físicas ou jurídicas que pretendem a transacionar, os sistemas de mapeamento, comumente chamados de georreferenciamento, têm sido cada vez mais utilizados para realizar uma representação gráfica que informe as características reais e formais do terreno para diversas finalidades públicas ou privadas.

As incertezas perante o território têm acarretado ricas discussões, em todas as partes do mundo, sobre os problemas de disponibilidade, qualidade, organização, acessibilidade e compartilhamento de mapas, que são comuns a um grande número de políticas e de áreas temáticas no domínio da informação e são sentidos em vários níveis da autoridade pública. Setores de energia, transportes, saneamento, telecomunicações, saúde, educação, segurança, dentre outros, têm em comum o uso intensivo de sistemas de informação geográfica para que possam se relacionar com o território e identificar suas áreas de influência.

Para resolver esses desafios são necessárias medidas que tornem os mapas interoperáveis em todos os níveis da autoridade pública, em seus diferentes setores. E esse conjunto de mapas, que compõem um sistema, forma uma infraestrutura de dados espaciais e tem sido tratado por diversos países como uma essential facility que deve ser regulada por uma agência reguladora.

Como exemplo, a Diretiva 2007/2/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de março de 2007, que estabelece a infraestrutura de informação geográfica na Comunidade Europeia (Inspire), foi constituída com o objetivo de facilitar a tomada de decisão referente a políticas e atividades suscetíveis de gerar impacto direto ou indireto no meio ambiente. O setor está em franca expansão no mundo movimentando, p. ex., € 1,5 bilhão por ano na Holanda e, segundo a Goldman Sachs, deve gerar US$ 25 bilhões em 2040 no mercado de mapeamento para carros autônomos.

A vantagem desse modelo é que evita o desperdício de recursos, pois apenas um mapa em escala pré-determinada pode ser considerado oficial e empregado para finalidade pública (conceito de monopólio natural). E quem o produz é remunerado por aqueles que passam a utilizá-lo. É o mesmo conceito, por exemplo, existente no setor elétrico. Não existe concorrência entre as distribuidoras de energia elétrica em uma mesma área, mas apenas uma empresa por área. Isso evita dispender recursos econômicos escassos e possibilita a expansão do sistema para áreas não rentáveis.

No Brasil, há a previsão do art. 21, XV, da Constituição Federal, que diz ser competência da União legislar sobre Geografia e Cartografia oficial. Mas esse dispositivo jamais foi regulamentado, assim como o art. 22, XVIII, que trata da competência privativa da União em legislar sobre sistema cartográfico. Há apenas o Decreto n. 6.666, de 2008, que constitui a Infraestrutura de Dados Espaciais no Brasil. Com a ausência de uma agência reguladora territorial que possa regular esse setor emergente da infraestrutura, setores que precisam de segurança jurídica territorial têm de criar atividades paralelas para viabilizar seus negócios.

É comum, atualmente, bancos e seguradoras montarem seus próprios departamentos Geo para verificar se a receita da safra do próximo ano de determinada área a ser hipotecada é ou não real, está em beliche cartorário, contempla áreas de proteção ambiental, está comprometida com mineração ou mesmo se inclui servidões de passagens não declaradas.

O mesmo ocorre na construção civil quando, por exemplo, há a quebra de produtividade e rentabilidade da empresa pela contínua necessidade de pesquisa de informação territorial, pelo desconhecimento das unidades orgânicas responsáveis pela atualização de determinados conteúdos georreferenciados, pela falta de suporte geográfico para apoiar as tomadas de decisão, ou mesmo na análise prospectiva do clima. Há uma disseminação do uso do georreferenciamento enquanto técnica que pode ser empregada para estruturar e gerir a modelagem do empreendimento. Ele contribui de forma efetiva na identificação de estudos e cenários, bem como na interpretação das informações para a realidade do negócio, ganhando relevância como componente da matriz de risco. Para tanto, é fundamental contar com mapas públicos confiáveis e interoperáveis que possam conferir a devida segurança jurídica aos empreendedores.

A governança pública brasileira não está acompanhando o desenvolvimento de novas tecnologias, mas esse cenário deve ser alterado em breve. Os empreendedores da construção civil podem ter um papel ativo nessa transformação, de maneira a reforçar a segurança jurídica dos empreendimentos por meio de profissionais e empresas que usem os mapas para construir essa segurança jurídica. Incentivar iniciativas, como a da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que objetivam regulamentar a Constituição via legal, também é algo que pode entrar no foco do setor, aprimorando a qualidade dos dados para a matriz de risco.

 

*Artigos divulgados neste espaço, não necessariamente correspondem à opinião institucional da CBIC.

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