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22/05/2018

Empresas esperam proteção nos contratos de concessão contra riscos não gerenciáveis

Estudo sobre aprimoramento na matriz de riscos foi apresentado durante 90º Enic

O mercado tem a expectativa de que novos contratos de concessão de serviços públicos tragam mudanças no tocante à proteção contra riscos como o de crises econômicas, do ponto de vista do concessionário. Se o governo não tiver essa sensibilidade, futuros leilões estarão ameaçados de repetir insucessos de rodadas recentes, acredita Fernando Vernalha, da VGP Advogados.

“A ideia é que o governo possa dividir, com o concessionário, prejuízos surgidos ao longo da vida das concessões”, afirma. “Faz sentido que um contrato de longo prazo, como de infraestrutura, tenha mais flexibilidade, seja mais sensível do que um de curto prazo”, diz o especialista. Ele defende ainda uma “interpretação menos ortodoxa” dos órgãos reguladores, de forma que possam acatar aditivos em contratos atingidos por “casos fortuitos e de força maior”. Cita como exemplo impactos negativos em concessões rodoviárias e em aeroportos, por conta de redução de demanda causada pela crise macroeconômica de 2014.

Por tudo isso, a matriz de riscos é um dos elementos cruciais na discussão atual sobre a insegurança jurídica nos projetos de infraestrutura, diz Vernalha, participante em dois eventos do 90º Encontro Nacional da Indústria da Construção (Enic).

Ele apresentou um estudo sobre a necessidade de aprimoramento da matriz de riscos em concessões rodoviárias em painel promovido pela Comissão de Infraestrutura (COP) da CBIC, em correalização com o Senai Nacional.

“A matriz de riscos é o cerne dos contratos de serviços públicos de longo prazo, firmados entre o governo e as concessionárias, em que há a alocação de cada risco que pode interferir na execução do contrato. Identifica, mapeia e aloca cada um desses riscos à responsabilidade de cada parte”, explica.

A ausência de uma matriz de riscos bem feita, “gera insegurança”. Se for “muito vaga, muito genérica”, provocará dúvidas e embates à frente, pela alocação de modo equivocado. “Os investidores não têm como precificar esses riscos. De forma que uma matriz com riscos ocultos encarece as propostas, pois os parâmetros ficam obscuros, gerando divergência de interpretação”, diz.

Outro problema é a “distorção” que essa falta de especificidade acarreta no processo licitatório, pois as empresas podem apostar “na capacidade de uma renegociação futura mais vantajosa”, continua. Um segundo aspecto relaciona-se com “a alocação da responsabilidade sobre o risco”. As concessões devem partir da premissa de que o risco deve ser sempre alocado à parte que consegue administrá-lo, a custos menores. O que vai gerar um contrato mais econômico.

“Sempre que um contrato de concessão transfere riscos para o concessionário, ele torna o projeto mais oneroso e inviável”, exemplifica. O projeto que tem riscos excessivos, ou uma matriz genérica, também encontra dificuldade de financiamento.

“Portanto, não é uma boa técnica transferir à parte privada, riscos em relação aos quais ela não tem como administrar bem”, diz o advogado de Curitiba. Assim, criou-se o consenso de que o concessionário só absorverá riscos para os quais haja seguro no mercado. Enquanto aqueles “não gerenciáveis” ficam com a administração pública.

Tais dificuldades prevaleciam no primeiro ciclo de concessões da década de 1990, com regras sobre riscos “vagas e mal elaboradas”. Melhorou com o marco legal das parcerias público-privadas (PPPs), “mas ainda não atingimos níveis satisfatórios”, critica Vernalha.

“Percebemos, atualmente, uma crise muito séria”, que atinge contratos de concessões nas áreas de rodovias e aeroportos, afirma ele. “Crise que resulta de uma alocação que transferiu todo o risco de demanda para as concessionárias”. No cenário de fundo à época das licitações, “havia uma expectativa muito otimista sobre o aumento do consumo de transportes, que não se confirmou”.

O que não estava no horizonte do governo ou dos investidores era a crise econômica de 2014, que desencadeou a recessão. “Isso impactou muito fortemente as concessões de transportes, pois a crise frustrou, em média, mais de 40% da demanda estimada nesses contratos”, disse o especialista.

“Muitas concessões ficaram inviáveis, em função da crise, pois todo o risco de demanda estava alocado aos concessionários”. E o governo não quer ser responsabilizado, porque o risco está com o setor privado.

“O que a gente percebe é que essa alocação de riscos foi equivocada, não foi uma boa escolha. Porque a economia brasileira tem suas instabilidades. Então, faz sentido, que o risco de demanda seja, ao menos, compartilhado com o poder concedente”, defende.

“Da mesma forma que se pode compartilhar riscos com benefícios. Se o Brasil estivesse com uma demanda muito superior ao esperado, com o risco compartilhado, o excedente poderia ser repassado ao consumidor”, na forma de redução de tarifas de pedágio, exemplifica o advogado.

“Em minha avaliação, como especialista que há muitos anos acompanha projetos de infraestrutura, olhando pelo retrovisor, diria que foi uma escolha infeliz”.

Às concessionárias também foi transferido o risco de casos fortuitos de força maior. Por isso, as concessionárias atingidas por problemas de caixa pela crise não estão conseguindo que o governo aceite aditivar os contratos.

“O problema é que o governo não reconhece a crise macroeconômica como evento de caso fortuito de força maior. Entende que o risco é previsível, faz parte da economia, portanto não está reequilibrando os contratos”, conta o advogado.

Assim, vive-se no momento muita disputa, litígios em cima da discussão da responsabilidade sobre os riscos. “Isso revela que as matrizes de riscos não foram assertivas, que poderiam ter sido mais específicas”, avalia. Mas ele pondera que não se consegue ter uma matriz de riscos que consiga mapear todos os problemas de riscos em um contrato de longo prazo, com é o caso das concessões na área de infraestrutura. “Isso não é realista”, afirma.

Mas é possível aprimorar, “embora uma matriz de riscos será sempre incompleta”. Ele chama a atenção para lacunas, como o risco cambial. Também defende maior controle sobre o comportamento da matriz de riscos ao longo do tempo, como faz o Reino Unido.

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