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14/09/2018

Não é o rabo que abana o cachorro, é o cachorro que abana o rabo

A criação de uma tabela de preço mínimo do frete encerrou a greve da categoria dos transportadores rodoviários de carga autônomos mas, na contrapartida, contribui para paralisar a atividade econômica do País, que já se encontrava marcha lenta naquele momento e permanece agonizando.

Assim como em vários segmentos econômicos em período de crise, os transportadores autônomos também foram abatidos pela ociosidade de seus equipamentos. Neste sentido, é natural que os serviços associados a atividade econômica tenham seus valores minorados, mesmo que temporariamente, para que o mercado de “fretes rodoviários de carga” se viabilize tanto para os ofertantes quanto para os demandantes do serviço, pois todos são atingidos pela conjuntura.

Para a surpresa de muitos, a solução do governo foi revogar as regras de oferta e demanda no mercado de fretes rodoviários e intervir diretamente nos preços, fato que afeta drasticamente toda a economia e parece ratificar a tradição brasileira de priorizar as atividades-meio (transporte, intermediação financeira etc.), em detrimento das atividades-fim (produção de bens).

Trata-se de uma decisão inteiramente política, pois não tem nenhum respaldo técnico, já que se trata de um mercado competitivo, sem falhas que justifiquem uma intervenção dessa natureza. Pelo contrário, com a elevação dos preços artificialmente, a tendência é que todos tenham perdas, mesmo aqueles que imaginavam que seriam beneficiados. Neste caso, os próprios transportadores rodoviários autônomos.

Tal fenômeno, conhecido em microeconomia como “peso-morto social”, foi destacado como medida anticompetitiva na manifestação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) ao Supremo Tribunal Federal: “com preços mais caros, com o frete não obedecendo a lei de oferta e demanda, é esperada uma diminuição da demanda por produtos finais, o que, por consequência, diminuirá o número de fretes e as oportunidades de emprego disponíveis. Portanto, gera menos contratos de frete do que o que seria o socialmente adequado, reduz a eficiência e o potencial de crescimento da economia.

Os preços mais elevados estimulam a criação de frotas próprias, uso de outros modais e incorpora novos requisitos na escolha da forma de distribuição da carga produzida. Nesse sentido, as empresas de transporte passaram a ter vantagens sobre os transportadores autônomos, pois possuem mais motoristas, frota com diferentes tipos de caminhão, mais rotas e mais segurança.

A perda de eficiência do transporte causado pelo tabelamento impositivo poderá inviabilizar várias operações, principalmente de pequenos negócios que operavam com curtas margens diante da atividade fraca, além de criar um novo cartel. A Lei 13.703/2018 ampliou a insegurança jurídica de empreender no Brasil, pois infringi o conceito de livre concorrência do Artigo nº 170 da Constituição Federal e coloca em xeque os contratos firmados antes de sua publicação.

IMPACTO NEGATIVO NA HABITAÇÃO

Por se tratar de uma Lei, seus efeitos não serão apenas pontuais e transitórios, mas promove impactos permanentes e estruturais, com realinhamento de preços relativos e impacto inflacionário, de maneira que não apenas prejudicará o consumidor, mas promoverá a inviabilidade do transporte dos produtos de baixo valor agregado, tais como os produtos da cesta básica e grande parte dos insumos básicos da construção.

Vale destacar que o setor da construção permanece em queda, enquanto o País já mostra sinais de recuperação, aliás a aceleração da atividade econômica está limitada exatamente pelo baixo nível do investimento, em que mais da metade desta variável é representada pelos produtos da construção.

Nesse contexto recessivo, o setor ainda terá, por conta do tabelamento do frete, pressões sobre seus custos de produção. Insumos básicos como cimento, areia e brita têm no frete grande parte da composição do seu preço final.

Preocupa verificar que no segmento de habitação, a recuperação da atividade é resultado do esforço de políticas de combate ao déficit habitacional, como o Programa Minha Casa, Minha Vida que atende famílias de baixa renda e que suas unidades habitacionais possuem valores máximos para enquadramento no Programa, com risco de inviabilizar o produto habitacional ou mesmo a solvência das empresas de menor porte, que possuem, em geral, margens menores.

No segmento infraestrutura, em que os contratos de obras públicas só podem ter ajustes anuais, num contexto de elevação de custos, muitas obras podem ser inviabilizadas comprometendo a sobrevivência das empresas executoras, dos empregos de seus funcionários e de seus contratos com fornecedores.

POTENCIAL DE EFEITO CONTRÁRIO

Trata-se de uma intervenção no funcionamento natural da cadeia de suprimentos da construção que desequilibra os contratos existentes, a ponto de comprometer a confiança na expansão sustentável desses empreendimentos e consequentemente da realização de novas obras.

Não por acaso, a confiança de empresários e de consumidores piorou, com efeitos que podem se tornar duradouros nas decisões de produção, consumo e investimento, em uma situação já delicada de recuperação e repleta de incertezas.

A Sondagem Indústria da Construção, realizada pela CNI/CBIC, aponta para redução da confiança, piora das expectativas e menor intenção de investir. Portanto, a forma como o governo respondeu ao movimento dos transportadores rodoviários autônomos trouxe novas incertezas e custos para a economia; o preço mínimo do frete causou redução do crescimento econômico e o aumento de preços para toda população.

Certamente, a normalização do preço do frete viria da recuperação da atividade econômica, que deveria ser o principal problema a ser atacado, mas a opção por atuar sobre a consequência e não sobre a causa, reduziu ainda mais a velocidade da recuperação econômica e reduzindo ainda mais competitividade dos produtos brasileiros e gerando mais insegurança jurídica.

No limite, ao fim e ao cabo, sem carga para transportar, os preços mínimos estarão em vigor, sem produção e com caminhões parados, numa nítida miopia de decisões que faz parecer, segundo o dito popular, que é o cachorro que abana o rabo.

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