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12/01/2022

Artigo – Nova lei federal permite a harmonização das APPs de curso d’água com o ambiente urbano

Entenda o que motivou e o que muda com a Lei 14.285 de 2021

Marcos André Bruxel Saes[1] é especialista em Direitos Difusos e Coletivos e em Direito Penal e consultor jurídico Ambiental da CBIC

Mateus Stallivieri da Costa[2] é mestre em Direito Ecológico e Direitos Humanos pela Universidade Federal de Santa Catarina

No final de dezembro foi sancionada, com vetos, e publicada no Diário Oficial da União (DOU) a Lei 14.285 de 2021[3], que dispõe sobre as Áreas de Preservação Permanente – APPs no entorno de cursos d’água em áreas urbanas consolidadas.

A lei é uma inovação importante para o ordenamento brasileiro, pois prevê a possibilidade de harmonização das previsões do Código Florestal com a realidade urbana, podendo ser considerada uma reação do Poder Legislativo ao recente julgamento do Tribunal de Justiça no Tema 1010.

O tema das APPs urbanas e, em especial, as APPs de curso d’água não são  uma polémica recente. Quando o Código Florestal foi aprovado no Congresso Nacional, em 2012, sua redação possuía dois artigos que permitiam os municípios e Distrito Federal criarem faixas de APPs diferentes da disposta na lei federal, que varia entre 30 e 500 metros. Com o veto de ambos os dispositivos a sistemática das APPs urbanas acabou prejudicada.

Após o início da vigência do Código Florestal, o principal debate jurídico quanto às APPs de curso d’água se voltou para um potencial conflito com a Lei de Parcelamento do Solo Urbano, que previa um afastamento dos cursos d’água de 15 metros.

Seguindo o entendimento de que a Lei de Parcelamento era mais específica, voltada exclusivamente para empreendimentos localizados nas áreas urbanas, centenas de projetos receberam alvarás e licenças ambientais dos órgãos competentes, reservando para isso a metragem prevista na norma.

Posteriormente o Superior Tribunal de Justiça afetou o Tema 1010, buscando uniformizar o entendimento quanto a faixa que devia ser respeitada, os 15 metros da Lei de Parcelamento ou a faixa variável entre 30 e 500 do Código Florestal.

A CBIC participou do julgamento como amigo da corte (amicus curiae), defendendo que a melhor técnica jurídica indicava pela prevalência, nas áreas urbanas, da faixa de 15 metros. Antes do julgamento, realizado em maio de 2021, a entidade entrou em contato com todos os ministros, apresentando memoriais e alertando para os impactos de eventual decisão, estando posteriormente presente na sessão e realizando sustentação oral.

Na fala do representante da CBIC, Marcos Saes, foi ressaltada a importância de modulação dos efeitos da decisão, ou seja, que o entendimento fosse válido para empreendimentos construídos após o julgamento, considerando principalmente a existência anuência dos órgãos ambientais até o momento.

Apesar do relator inicialmente sinalizar quanto à possibilidade de modulação da decisão, o plenário do STJ acabou por desconsiderar essa necessidade, decidindo que a faixa de APPs de curso d’água válidas, mesmo em áreas urbanas, é a do Código Florestal.

Com a decisão, o STJ não explicou o que acontecerá com os empreendimentos já construídos utilizando os 15 metros, gerando uma enorme insegurança. Novamente, defendendo os interesses do setor, a CBIC entrou com Embargos de Declaração, questionando as omissões da decisão e buscando a sua reforma pelo plenário, partindo também, em conjunto com outras entidades, para um novo front de atuação, a revisão do Código Florestal pelo Poder Legislativo.

É nesse contexto que a Lei 14.285 de 29/12/2021 passou a ser debatida na Câmara dos Deputados, recebendo tramitação no regime de urgência ainda em maio de 2021, sempre acompanhada de perto pelos consultores da CBIC, que apresentaram propostas de emendas e pareceres quanto à redação.

Após a aprovação da Câmara dos Deputados em agosto, o projeto sofreu algumas revisões pontuais no Senado Federal, retornando à Câmara, que em dezembro rejeitou as modificações do Senado, aprovando o texto original.

Assim, desde o dia 30/12/2021, os municípios e o Distrito Federal estão autorizados, por meio dos seus Planos Diretores e Leis de Uso do Solo, a realizar a adequação da faixa marginal de APPs de curso d’água dentro das suas áreas urbanas consolidadas, desde que respeitadas uma série de requisitos presentes na nova Lei.

Para garantir critérios técnicos na harmonização, é necessário a elaboração de um estudo socioambiental por equipe multidisciplinar, que deverá considerar as diretrizes do Plano de Recursos Hídricos, Plano de Bacia, Plano de Drenagem e Plano de Saneamento Básico. A proposta de alteração ainda precisa ser levada para avaliação do Conselho Municipal do Meio Ambiente e do Conselho Estadual do Meio Ambiente.

A nova APP precisa ainda respeitar uma metragem mínima, vedada a supressão total da metragem, sendo proibido a ocupação das áreas consideradas como “com risco de desastres”.

O principal veto da Presidência da República foi em relação à proposta de §7º do Art. 4º da Lei de Parcelamento do Solo, que previa uma regulamentação das obras construídas em faixa de APP anteriormente ao julgamento do Tema 1010. O veto deve ser analisado pelo Congresso Nacional ao longo de 2022.

A Lei 14.285/2021 não resolve na integralidade os problemas causados pelo julgamento do Tema 1010, porém permite que os municípios adequem o Código Florestal as suas particularidades, deixando de existir uma regra que vale de norte a sul e leste a oeste, sem considerar a existência de diferentes biomas e realidades de ocupação urbana. Sai um critério geral e entra um técnico.

[1] Advogado. Especialista em Direitos Difusos e Coletivos e em Direito Penal. Presidente da Comissão de Direito Ambiental do Ibradim. Consultor Jurídico Ambiental da Câmara Brasileira da Indústria da Construção-CBIC. Diretor de Meio Ambiente da AELO. Conselheiro do Conselho Superior de Meio Ambiente da FIESP. Superintendente regional do Instituto brasileiro do Direito da Construção-IBDiC. Membro do Grupo de Trabalho de Licenciamento Ambiental do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico- FMASE. [email protected]

[2] Advogado. Mestre em Direito Ecológico e Direitos Humanos pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-Graduado em Direito e Negócios Imobiliários pela Faculdade IBMEC São Paulo. Pós-Graduado em Direito Ambiental e Urbanístico pela Faculdade IBMEC São Paulo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário. Pesquisador do Grupo de Estudos em Direito Público da UFSC. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. [email protected]

[3] Acesso disponível em: https://in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.285-de-29-de-dezembro-de-2021-370917982.

 

*Artigos divulgados neste espaço são de responsabilidade do autor e não necessariamente responsável à opinião da entidade.

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