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07/07/2025

Artigo: Flexibilização da Jornada de Trabalho e a Autonomia Coletiva na Indústria da Construção

Por Clovis Queiroz, advogado, especialista em Direito do Trabalho e Segurança e Saúde no Trabalho e consultor da CBIC

A indústria da construção, é marcada por dinâmicas operacionais próprias e intensa variação de demandas, exigindo instrumentos que possibilitem maior flexibilidade na gestão da jornada de trabalho. Entre esses instrumentos, destacam-se os acordos de compensação de horas, especialmente aqueles firmados por meio de negociações coletivas (convenções ou acordos coletivos). Trata-se de um mecanismo essencial à racionalização da força de trabalho nos canteiros de obra, permitindo que empresas ajustem suas operações sem incorrer em custos excessivos com horas extras ou riscos jurídicos desnecessários.

Com a Reforma Trabalhista de 2017, o ordenamento jurídico brasileiro passou a reconhecer expressamente a prevalência do negociado sobre o legislado em determinados temas (desde que não seja um direito constitucional), entre eles o regime de compensação de jornada. Essa diretriz representou um avanço significativo, sobretudo para setores altamente sindicalizados como o da construção, onde as convenções coletivas têm tradição e capilaridade, oferecendo soluções customizadas às necessidades locais.

Entretanto, a realidade prática mostra que a insegurança jurídica ainda é um entrave à plena efetividade desses instrumentos. Mesmo acordos celebrados entre sindicatos laborais legítimos e empresas, são, não raro, alvo de questionamentos judiciais. Interpretações restritivas e a tendência de tutelar de forma exacerbada os trabalhadores acabam por esvaziar a autonomia das partes negociadoras. Essa realidade cria um paradoxo: a lei estimula a negociação, mas o sistema de controle (judiciário e fiscalização administrativa do poder executivo) frequentemente a deslegitima.

Essa instabilidade impõe custos relevantes às empresas e desestimula a adoção de regimes mais eficientes de jornada. Ao invés de recorrer à negociação coletiva, muitas optam por firmar acordos individuais, com menor abrangência e eficiência operacional. O efeito é contrário ao pretendido pela legislação: aumenta-se o número de demandas judiciais e compromete-se a produtividade do setor.

A resistência à aplicação plena da autonomia coletiva no Brasil tem raízes históricas em uma cultura jurídica de forte intervenção estatal nas relações trabalhistas. Contudo, o ambiente produtivo atual demanda uma reinterpretação mais pragmática dessas relações, especialmente em setores onde a negociação é prática consolidada. Na indústria da construção, a ampla cobertura sindical e a prática constante de convenções regionais qualificam a negociação coletiva como instrumento legítimo de autorregulação, cuja eficácia deve ser estimulada, reconhecida e respeitada.

Outro aspecto relevante diz respeito à natureza itinerante de muitas frentes de obra, que exige adaptações frequentes na rotina de trabalho das equipes. Sem a possibilidade de acordos de compensação flexíveis, a gestão do tempo torna-se ineficiente, resultando em custos operacionais mais altos e aumento do passivo trabalhista. O banco de horas coletivo, pactuado com os sindicatos laborais ou entre os sindicatos patronais e laborais, permite que empresas absorvam as oscilações de produção com responsabilidade, mantendo o equilíbrio econômico e a segurança dos trabalhadores.

A adoção de modelos padronizados de cláusulas sobre compensação de jornada em convenções coletivas poderia contribuir para maior previsibilidade e uniformidade de interpretação. Iniciativas como essa já vêm sendo promovidas em diversos segmentos econômicos por federações e sindicatos patronais, em diálogo com as entidades laborais, buscando harmonizar interesses e reduzir a litigiosidade. O incentivo à utilização de câmaras de prevenção e resolução de conflitos também pode ser um caminho eficiente para dirimir dúvidas sobre a aplicação dos acordos sem recorrer diretamente ao Judiciário.

A construção civil, pelo seu dinamismo e complexidade, demanda soluções jurídicas compatíveis com sua realidade. Fortalecer a autonomia coletiva, dentro dos marcos legais vigentes, não é apenas uma opção legítima, mas uma necessidade para garantir eficiência econômica, previsibilidade regulatória e condições de trabalho ajustadas à natureza da sua atividade. Em um setor onde tempo, clima e recursos humanos precisam dialogar em sincronia, a flexibilidade negociada com segurança jurídica é um ativo estratégico.

Por fim, é essencial que os órgãos de fiscalização e controle, como o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho, atuem de forma articulada com as entidades sindicais tanto laborais como empresariais, reconhecendo as convenções e os acordos coletivos como instrumentos legítimos de regulação do trabalho. A indústria construção pode, assim, avançar em modelos de jornada mais eficazes, sem renunciar à proteção ao trabalhador. O fortalecimento da negociação coletiva, com segurança jurídica, é a chave para um mercado de trabalho mais moderno, produtivo e sustentável.

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Comissão de Política de Relações Trabalhistas
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