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02/03/2018

Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) prepara análise sobre distribuição de riscos em contratos públicos

Estudo propõe alternativas para melhor alocação de riscos ambientais, de demanda, de desapropriação e de projeto

 Considerado um dos temas mais relevantes na estruturação de projetos de concessões e de PPPs (parcerias público-privadas) e no desenho de contratos de obras, a alocação de riscos contratuais é um ponto chave para a estabilidade e a eficiência durante o ciclo de vida dos contratos. Para a elaboração de uma análise sobre as boas práticas para a alocação de riscos no setor rodoviário, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) contou com a consultoria do VG&P Advogados, que conduziu a preparação do material. O estudo é assinado por Fernando Vernalha, Angelica Petian, Reginal Rillo e Larissa Quadros do Rosário e propõe alternativas para a melhor alocação do risco de demanda, do risco de desapropriação, do risco de projeto e dos riscos ambientais. Em entrevista exclusiva ao CBIC Mais sobre o tema, Fernando Vernalha aborda os principais aspectos desta análise.

CBIC Mais – Qual a importância das matrizes de riscos nos contratos administrativos e de longo prazo?

Fernando Vernalha: A alocação de riscos é um dos pontos de calibragem da eficiência dos contratos em geral. Por isso, é uma questão fundamental a ser levada em consideração pelo designer dos contratos administrativos, especialmente nas concessões e PPPs. Em primeiro lugar, as matrizes de riscos devem ter um nível de detalhamento, tanto quanto possível, avançado. Em segundo lugar, cada risco deve ser alocado àquela parte que consegue gerenciá-lo a custos mais baixo do que a outra. Ou seja: o risco deve ficar com a parte que consegue se prevenir de sua ocorrência ou mitigar os prejuízos que podem derivar de sua materialização. Contratos com matrizes de riscos genéricas ou mal elaboradas acabam tendo efeitos negativos não apenas no âmbito da licitação, mas nos custos incorridos para a execução do contrato.

CBIC Mais – Quais as consequências para a licitação de matrizes de riscos muito genéricas?

Fernando Vernalha: Matrizes genéricas geram contratos incompletos, o que provoca distorções no âmbito da licitação. A ausência de detalhamento sobre os riscos no contrato acaba encorajando licitantes que têm maior habilidade em renegociar contratos a oferecer propostas mais econômicas. A indeterminação dos contratos encoraja esses licitantes a oferecer preços mais baixos, apostando na sua capacidade de renegociá-los futuramente. Isso faz com que o licitante vencedor da licitação seja aquele com maiores habilidades para renegociar o contrato e não necessariamente aquele com a capacidade de desempenhar o serviço de modo mais eficiente. É uma distorção no ambiente competitivo. Além disso, e por outro lado, matrizes genéricas podem gerar o incremento dos custos de transação, encarecendo as propostas na licitação. Na dúvida sobre a alocação de certo risco, os ofertantes tendem a incorporar em suas propostas os custos para a sua gestão. Ou seja: a insegurança em relação à alocação de riscos acaba sendo precificada nas ofertas apresentadas na licitação. Afora tudo isso, o que se percebe é que matrizes de riscos muito genéricas e omissas abrem espaço para disputas durante a execução do contrato, o que acaba encorajando demandas judiciais. Neste cenário, quem acaba distribuindo riscos é o juiz ou o controlador de plantão, que não é o sujeito qualificado para isso.

CBIC Mais – Como assim?

Fernando Vernalha: Matrizes de riscos genéricas geram, durante a execução do contrato, disputas judiciais ou de outra natureza em torno da responsabilização sobre o risco. Neste caso, a lacuna sobre a alocação do risco tenderá a ser preenchida por decisão do juiz ou de um controlador. Mas o juiz ou o controlador não é a pessoa mais capacitada para essa alocação, pois acaba por distribuir os riscos segundo critérios jurídicos e não econômicos. E a distribuição de riscos deve sempre estar orientada pela capacidade da parte de gerenciar o risco a custos mais baixos do que a outra, para trazer maior eficiência ao contrato e reduzir o somatório dos custos relacionados à sua execução. O juiz não está orientado a alocar riscos sob essa premissa. Mais ainda, o ponto de observação do juiz não lhe permite conhecer todas as informações técnicas relevantes para habilitá-lo à melhor distribuição dos riscos. Por isso, a distribuição de riscos deve ser realizada ao tempo da elaboração do contrato, pelo seu designer, e não pelo juiz, no âmbito de ações judiciais que se originam das dúvidas sobre essa alocação.

CBIC Mais – Como tem sido a experiência brasileira com a distribuição de riscos em contratos de concessão e de PPP?

Fernando Vernalha: Os ciclos de concessões que tivemos na década de 90 não prestigiaram uma alocação detalhada e avançada de riscos. Mais recentemente, começamos a ter contratos com matrizes mais bem elaboradas, mas ainda precisamos evoluir bastante nisso. Há uma curva de aprendizado que deriva da observância do comportamento das matrizes de riscos nos casos concretos, o que pressupõe um acúmulo de experiências relacionadas a concessões e PPPs. Neste aspecto, temos de olhar para as experiências internacionais, que já contam com ciclos mais maduros.

CBIC Mais – A crise por que passam atualmente as concessões de rodovia e aeroportos tem relação com deficiências na alocação dos riscos nestes contratos?

Fernando Vernalha: Em parte, sim. Boa parte desses contratos foi gerada num contexto de grande otimismo em relação à economia do país, o que influenciou os estudos de demanda da época. No entanto, a crise macroeconômica de 2014 trouxe uma nova realidade para as concessões, provocando queda expressiva nos níveis de demanda de serviços. Como os contratos acabaram por alocar o risco de demanda aos concessionários, as concessões, fortemente impactadas, entraram em crise.  Sem entrar na discussão sobre a qualificação desta crise como um caso fortuito ou de força maior, o que poderia autorizar o reequilíbrio desses contratos, o fato é que se esses contratos tivessem um compartilhamento do risco de demanda entre concessionário e poder concedente, essas variações agudas na demanda seriam automaticamente equilibradas pelo contrato. O estudo produzido pelo VGP Advogados propõe que os contratos concessionários prestigiem o compartilhamento de riscos positivos e negativos da demanda, pois desta forma não apenas a concessão estaria protegida de quedas significativas na demanda, como superávits mais expressivos poderiam ser compartilhados com os usuários e com a própria Administração. Se aqueles contratos de concessão rodoviária e aeroportuária tivessem feito essa opção quanto à alocação do risco de demanda, certamente não estariam na crise em que estão.

CBIC Mais – Você acha importante que a próxima lei de licitações, atualmente em debate no Congresso Nacional, já traga uma previsão expressa quanto à obrigatoriedade do uso da matriz de riscos em contratos administrativos?

Fernando Vernalha: Considero extremamente importante que a próxima legislação de contratação pública seja incisiva quanto à obrigatoriedade da adoção de matrizes de riscos detalhadas e bem elaboradas nos contratos. Como disse, contratos com matrizes de riscos muito genéricas têm não apenas gerado distorções nas licitações, como têm originado disputas e litígios durante o ciclo de vida dos contratos. Há um custo não desprezível com disputas que poderia ser evitado a partir de uma alocação de riscos mais precisa e detalhada. E essa exigência deve ser extensível a todos os contratos administrativos, e não apenas a contratos de longo prazo. Por isso, nesse processo de atualização da legislação sobre licitação e contratos, não podemos perder a oportunidade de garantir que os contratos de obras e serviços contem com matrizes de riscos suficientemente detalhadas e bem elaboradas.

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