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18/08/2020

Artigo – Reflexos do Acordo de Compras Governamentais na infraestrutura

Angélica Petian é doutora em Direito e sócia do Vernalha Guimarães e Pereira Advogados.

Desde o fim de 2019, o Governo Federal se movimenta para buscar a adesão do Brasil ao Acordo de Compras Governamentais (GPA, em inglês). A intenção de adesão foi formalizada pelo governo junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) em maio deste ano.

O objetivo do GPA é viabilizar a abertura mútua dos processos de compras governamentais entre os países que aderirem ao acordo[1] para a implementação de condições que garantam um processo de compras públicas aberto, justo e transparente. A extensão e aplicabilidade das suas normas depende das condições negociadas por cada país, mas o regramento básico se volta a garantir os princípios da não discriminação, transparência e integridade dos procedimentos de compra.

Conquanto tenha formalizado a intenção de adesão, o Brasil requereu a postergação dos documentos necessários em razão das dificuldades geradas pela pandemia[2], os quais deverão ser encaminhados em breve[3]. Com a devida formalização, o País ingressa nas fases de negociação com os demais membros e de verificação do alinhamento da legislação nacional aos requisitos do GPA. É a partir do início dessa fase que a adesão ao GPA poderá ensejar a necessidade de adequação das normativas nacionais.

O GPA prevê condições diferenciadas aos países em desenvolvimento, embora possa haver certa dúvida quanto ao benefício dessas normativas ao Brasil, considerando a externalização, pelo Governo, da intenção de abrir mão desse status junto à OMC, em linha com o posicionamento dos EUA[4].

No tocante a investimentos em infraestrutura são esperadas mudanças nos procedimentos licitatórios, que retirem barreiras à competição em condições de igualdade por players internacionais. Afora medidas infralegais, a exemplo da edição da Instrução Normativa nº 10/2002, do Ministério da Economia, será necessária adequação da legislação vigente, de modo a alinhá-la às diretrizes e requisitos do GPA.

Uma das vertentes é a revisão de margem de preferência a produtos nacionais. A Lei nº 8.666/1993 (Licitações) prevê a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. A regulamentação dessa previsão dá ensejo, por exemplo, a margem de preferência de 20% para veículos para vias férreas manufaturados em âmbito nacional, nas aquisições pela Administração Pública Federal.

De modo similar, o art. 3º, §2º da Lei nº 8.666 estabelece a preferência a produtos e empresas nacionais, no caso de empate, em dissonância com a diretriz do GPA de não discriminação.

Outro aspecto esperado é a revisão das exigências relativas à habilitação e acesso às licitações por interessados estrangeiros. Devem ser revistas as certidões exigidas pela Lei nº 8.666. No caso de licitações que envolvam obras de engenharia, há uma série de exigências para a participação de empresas estrangeiras.

Vale ressaltar que a adesão ocorre em um ambiente de negociação, no qual eventuais regras de preferência podem permanecer.

Pela versão revisada[5], o GPA reconhece a importância e incentiva o uso de ferramentas eletrônicas para os processos de compra, inclusive no tocante a autenticações e criptografia das informações. Conquanto procedimentos eletrônicos sejam utilizados no âmbito dos pregões, essa prática deverá ser estendida também às concorrências, para fins de licitações de obras e projetos de infraestrutura. O uso da tecnologia nos processos licitatórios deve facilitar a participação de empresas estrangeiras, ampliando o universo de licitantes.

É oportuno que as discussões relativas à adesão ao GPA sejam consideradas no âmbito das discussões da nova lei de licitações e mesmo à nova lei de concessões, aproveitando-se o exercício legislativo para incorporar as premissas necessárias, sob pena de a nova lei, uma vez aprovada, precisar ser alterada para fins de adesão ao GPA.

No mais, é imperioso que na discussão sobre iguais oportunidades de acesso das empresas nacionais e estrangeiras ao mercado das compras públicas, sejam considerados elementos que impactam a disputa e que não são alcançados pela legislação, como é o caso do acesso e das condições de crédito para financiamento de empreendimentos de infraestrutura.

Se as negociações ficarem adstritas a elementos exclusivamente procedimentais a almejada abertura recíproca dos mercados dos países participantes do Acordo pode resultar em condições desiguais de competição.

 

*Artigos divulgados neste espaço são de responsabilidade do autor e não necessariamente correspondem à opinião da entidade.

 

[1] https://www.wto.org/english/tratop_e/gproc_e/gp_gpa_e.htm

[2] https://www.wto.org/english/news_e/news20_e/gpro_19may20_e.htm

[3] https://www.wto.org/english/news_e/news20_e/gpro_21jul20_e.htm

[4] Nesse sentido: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2019/03/21/omc-diz-nao-entender-que-brasil-abriu-mao-do-status-de-pais-em-desenvolvimento.htm e https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/02/12/status-brasil-desenvolvido-em-desenvolvimento.htm

[5] Originalmente de 1994, o GPA foi revisado e atualizado, cuja nova redação passou a viger em 6/04/2014.

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