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AGÊNCIA CBIC

30/01/2015

O emprego em risco no Brasil

"Cbic"
30/01/2015

Revista Exame

O emprego em risco no Brasil

 A economia fraca torna 31 milhões de  brasileiros da nova classe média vulneráveis  à perda do ganha-pão. Com medo de voltar  à pobreza, eles já deixam de consumir  

 FLÁVIA FURLAN  

 N  O INÍCIO DOS ANOS 2000, A ALAGOANA KARINE Santos tinha uma   vida  sem perspectiva em sua cidade, Arapiraca, a 130 quilômetros de Maceió. Em busca de emprego, ela mudou com a mãe e um irmão para São Paulo. Na capital paulista, com 20 anos de idade e sem o ensino médio completo, foi contratada em um salão de beleza para preparar cera de depilação. Karine ganhava 200 reais por més, que usava para pagar as contas em casa. Eram tempos de muito trabalho e nenhum luxo. Com esforço, juntou dinheiro, fez alguns cursos e passou a atuar como depiladora. No fim da década, ganhava em média 3 000 reais por mês. Comprou uma TV de tela plana de 52 polegadas, um aparelho de DVD e um terreno de 140 metros quadrados na Vila Gilda, na zona sul paulistana. A sensação era que os tempos de dificuldade tinham ficado para trás e que tudo seria mais fácil. Mas, no ano passado, o quadro começou a mudar novamente. "As clientes não estão gastando como antes", diz Karine. "O movimento no salão está fraco e não sei até quando terei o emprego." Hoje casada, ela vive com o marido, o pintor autônomo Luís Oscar, de 30 anos, em uma casa alugada. Nenhum dos dois tem emprego com carteira assinada, e a renda do casal tem ficado em torno de 1800 reais por mês. Os tempos de aperto voltaram.

Com os ganhos atuais, Karine e Luís fazem parte da nova classe média, segundo os critérios oficiais do governo. Nenhum fenômeno social foi tão aclamado na última década quanto o da formação dessa camada da população, que hoje já é a maior no Brasil. De 2003 a 2013, o país gerou 13,4 milhões de empregos formais. Com esse impulso, 45 milhões de pessoas ascenderam socialmente. Mas os últimos quatro anos de baixo crescimento econômico – e sabe-se lá quantos mais virão pela frente – estão tomando parte dessa população vulnerável a uma recaída na pobreza. Primeiras vítimas da depressão que se abateu sobre o país, eles já estão cortando os gastos e temem o futuro. Segundo a consultoria Plano CDE, a parte mais vulnerável da classe média é formada por 31,5 milhões de pessoas, um terço da classe média como um todo. São brasileiros com renda familiar entre 1193 e 1806 reais (ou seja, exatamente a faixa de Karine). Eles têm, em média, seis anos de estudo, isto é, não completaram o fundamental. Sem qualificação, muitos ficam à margem do mercado de trabalho – apenas 44% possuem registro em carteira. "Os emergentes tèm uma rede de contatos muito limitada e maior dificuldade para conseguir emprego após uma demissão", diz a antropóloga Luciana Aguiar, sócia da Plano CDE.

A desaceleração recente da economia tem piorado a situação dos vulneráveis. Os setores que tipicamente empregam essa parcela da população fecharam o ano passado com menos vagas do que em 2013. A indústria da transformação cortou 163 800 postos; e a construção civil, 106 500. Desde 2011, a franja inferior da classe média é o estrato que mais sofre com as demissões. A taxa de desemprego dessa população cresceu 1,2 ponto percentual, para 9,4%, em 2013, o dado mais recente disponível. Com o desemprego batendo à porta, muitas pessoas estão reduzindo os gastos. E o caso da paranaense Marilene Schinayder, de 49 anos, e do baiano Adriano Rocha França, de 35. Eles vivem juntos há dez anos em Ferraz de Vasconcelos, um município da região metropolitana de São Paulo. Até dezembro, o casal ganhava 2 617 reais por mês, o que o incluía na classe média. Na virada do ano, porém, a empresa em que Adriano trabalhava há 13 anos como operador de prensa demitiu oito funcionários, entre os quais ele, por falta de serviço. Em janeiro, o casal contou só com o salário de 755 reais que Marilene recebe como empregada doméstica e foi forçado a abrir mão de conquistas dos últimos anos. '*Vou cancelar a TV parabólica, as refeições fora de casa e mudar a conta do meu celular de pós para pré-pago", diz Marilene. No dia 23, Adriano conseguiu um novo emprego, mas vai ganhar 20% menos do que recebia no anterior. Os cortes no orçamento familiar vão continuar.

BOLSO APERTADO

Outro ponto que coloca a classe média em vulnerabilidade são as dívidas. Dados da Boa Vista SCPC, cadastro nacional de dados sobre consumidores, mostram que a classe C representava 49% dos inadimplentes em dezembro do ano passado. A rede de eletrodomésticos mineira Zema, com 510 lojas espalhadas pelo Brasil em cidades com até 60000 habitantes e foco nas classes emergentes, percebeu um aumento dos atrasos no pagamento dos carnês. Na média histórica, a varejista não recebia 1,6% do montante devido pelos clientes. No fim do ano passado, o calote foi para 2%. Parece pouco, mas representou 4 milhões de reais a menos no caixa no último semestre. "Estamos investindo em novas ferramentas de análise de crédito e de cobrança para o cenário não piorar", diz Romeu Zema Neto, diretor-geral. Para os clientes, a Zema vai ampliar o número de prestações possíveis de 15 para até 18. Além disso, deve cortar o ritmo de abertura de lojas de 60 para 30 ao ano.

Sem emprego e com dívidas, a classe média emergente está diminuindo o consumo. De acordo com a consultoria Nielsen, dentre todas as faixas de renda, apenas os vulneráveis cortaram a compra de produtos no ano passado. Eles deixaram de gastar 8,4 bilhões de reais de janeiro a julho de 2014, em relação ao que tinham despendido no mesmo período de 2013. A participação desse estrato no consumo no Brasil caiu de 19,9%, em 2013, para 18,8%, em 2014, enquanto a fatia de todas as outras faixas de renda subiu, até mesmo a das camadas inferiores. "Isso ocorreu porque as pessoas de baixa renda não se endividaram tanto quanto a classe média emergente", diz Olegário Araújo, diretor da área de varejo da Nielsen. As visitas aos pontos de venda estão menos frequentes. Essa parcela da população foi, em média, 63 vezes às compras de janeiro a setembro do ano passado, ante 72 vezes no mesmo período de 2013 – a queda é a maior entre as classes sociais, segundo dados da empresa de pesquisas Kantar WorldPanel. Alguns itens que haviam ganhado espaço no carrinho de compras já estão sendo deixados nas gôndolas. A maior redução é nos produtos para o cuidado com a pele. De 2012 a 2014, eles perderam espaço em 3 milhões de lares da classe média vulnerável. Já os iogurtes líquidos, as polpas de tomate e os sucos concentrados não marcaram mais presença em 1,5 milhão de lares.

MIGRAÇÃO INTERROMPIDA

As empresas que voltaram seu negócio para a nova classe média nos últimos anos já estão sentindo os efeitos do cenário de menor crescimento e corte de gastos. Um exemplo é o da fabricante de cosméticos Avon. Na divulgação de resultados do terceiro trimestre de 2014, feita no início deste ano pela matriz, nos Estados Unidos, a empresa reportou uma queda de 4% nas vendas de produtos de beleza no Brasil em relação ao mesmo período do ano anterior. Diante dos números, a Avon já começou 2015 fazendo promoções, o que não era a prática. "O cenário para o consumo no Brasil está mais incerto, e não sabemos até quando isso vai perdurar", diz Ricardo Patrocínio, vice-presidente de marketing da Avon no Brasil. "Nossa estratégia agora vai ser lançar produtos mais acessíveis, porque o bolso do consumidor está mais apertado." No ano passado, a Avon lançou uma máscara para cílios no Brasil que exigiu 5000 horas de pesquisa e foi testada em 2 000 mulheres em todo o mundo. Com inovações no produto e nas embalagens, o preço era de 40 reais. Neste ano, a máscara para cílios recém-lançada custa 10 reais a menos e inova apenas no formato do pincel. Uma forma também de fugir do cenário de menor consumo da classe média baixa é apostar em produtos para outras classes sociais. A Avon incluiu pela primeira vez em seu portfólio, no fim do ano passado, perfumes de grandes marcas – Adidas e Playboy – com preços 45% superiores aos 60 reais que eram seu máximo no país.

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ALGUMAS EMPRESAS DO SETOR DE BENS DE CONSUMO JÁ REGISTRAM QUEDA NAS VENDAS DE PRODUTOS PARA A CLASSE C

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O bom desempenho da economia na década passada foi um fator determinante para que milhões de brasileiros conseguissem trabalho e galgassem à classe média. De acordo com cálculos do Banco Mundial, cada aumento de 1% no crescimento econômico diminui 1,25% a pobreza. "A desaceleração do PIB no Brasil já está arrefecendo o movimento de migração para a classe média e, se tivermos retração da economia, aí, sim, poderemos ver a queda de parcelas da população para as classes mais baixas", diz Francisco Ferreira, economista do Banco Mundial e autor de análises sobre a mobilidade social na América Latina. Um estudo produzido pela consultoria Tendências para EXAME mostra que, se a economia brasileira crescer a uma média próxima de zero até 2019 – um cenário ainda com chances consideradas baixas de ocorrer -, mais de 4 milhões de famílias engrossarão as classes mais pobres. No cenário mais provável, o Brasil vai se recuperar e crescer 1,9% em média até o fim da década c a classe média ganhará mais 4,6 milhões de famílias. "Existe a preocupação sobre se vamos continuar tendo a migração para a classe média daqui para a frente", diz Marcelo Neri, ministro interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos. "Estamos em um processo de ajuste devido ao fraco desempenho da economia nos últimos anos e não sabemos qual será seu impacto na classe média."

No início da década de 2000, assim como a alagoana Karine Soares, o baiano Cícero Gois, de 31 anos, mudava para São Paulo em busca de emprego. Ele começou trabalhando como auxiliar de limpeza em um prédio e ganhando os mesmos 200 reais que a alagoana Karine. Quando chegou à capital paulista, ele só tinha o ensino fundamental. Mesmo trabalhando, decidiu fazer o supletivo e terminar o colégio. Foi além e, vendo as oportunidades no prédio em que trabalhava, fez cursos gratuitos no sindicato da categoria. Hoje, Gois trabalha como zelador com carteira assinada e ganha 2 900 reais por mês. "Se não tivesse corrido atrás, estaria com um salário bem menor", diz. "A melhor coisa que fiz foi não ter desistido de estudar, o que me ajudou a aproveitar as chances de trabalho que surgiram." Voltar a crescer e a gerar empregos é fundamental para que o Brasil consiga ter mais histórias como a de Gois para contar.

 


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