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AGÊNCIA CBIC

10/02/2015

Programa reforça isolamento de mais pobres nas periferias

"Cbic"
10/02/2015

Valor Econômico – 10 de fevereiro

Programa reforça isolamento de mais pobres nas periferias

Por Ligia Guimarães | De São Paulo Danielle Klintowitz, uma das autoras do estudo: falta de política habitacional isola os mais pobres em 'guetos', aumenta custo de vida e o preço da terra

Embora tenha ampliado de forma expressiva o acesso da população de baixa renda à casa própria e colocado a habitação no centro da agenda governamental desde 2009, quando foi criado, o Minha Casa, Minha Vidaserviu também para restringir o acesso dos mais pobres à vida nas cidades e reproduzir problemas antigos das periferias.

A conclusão aparece em estudo contratado em 2012 pelo Ministério das Cidades e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Cnpq) e concluído em janeiro por 11 pesquisadores de instituições de ensino. A pesquisa analisou empreendimentos da faixa 1 do programa habitacional, que dá subsídio quase integral para famílias com renda mensal de até R$ 1.600, em 21 municípios de 6 Estados: Pará, Ceará, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.

"Se o programa passou a atingir camada da população historicamente não atendida na área habitacional, não interferiu no seu 'lugar' histórico nas cidades, reproduzindo o padrão periférico", afirma a pesquisa, cujo relatório final foi entregue no mês passado.

O estudo conclui que a execução do programa reforçou o isolamento da população mais pobre em áreas afastadas dos serviços e da infraestrutura urbana, provocando também aumento do custo de vida para os participantes do programa. No total, 3.900 moradores foram entrevistados sobre seu nível de inserção urbana e para falar das características da moradia subsidiada pelo programa.

"A população está satisfeita em receber a casa própria. Mas quando você começa a avaliar os itens de direito à cidade, há muitas dificuldades", diz Danielle Klintowitz, coordenadora de projetos de urbanismo do Instituto Pólis e uma das pesquisadoras da Rede Cidade e Moradia, parceria criada especificamente para realizar a pesquisa. "Muitas vezes essa população estava vindo de favelas, áreas de risco, loteamentos irregulares, muito precárias. Então o que elas dizem é que dentro das quatro paredes, está melhor. Mas a relação com a cidade piorou", afirma Danielle.

O estudo aponta que, nos 21 municípios pesquisados, o programa produziu 27.575 novas moradias, para um total de 704.418 que já existiam nessas cidades. "Quase 4% de cidade a mais foi construído em apenas três anos e pessimamente atendidas por serviços de transporte, saúde, educação e comércio", diz Lúcia Shimbo, da USP São Carlos.

Além do Pólis, participam ainda as seguintes instituições, cada uma analisando sua região: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade de São Paulo (USP), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), USP São Carlos, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universidade Federal do Ceará (UFC) e Universidade Federal do Pará (UFPA). As principais conclusões da pesquisa foram apresentadas ao ministério em reuniões no fim do ano passado.

O objetivo dos pesquisadores era conseguir que os problemas apontados na pesquisa fossem considerados na fase 3 do programa, anunciada em julho do ano passado com a meta de construir 3 milhões de unidades habitacionais a partir de 2015. Na primeira etapa foram construídas um milhão de moradias e, na segunda que está em vigor, a meta é chegar a 2,75 milhões. Procurado pelo Valor, o Ministério das Cidades não se pronunciou.

Entre as questões detectadas nas áreas em que os empreendimentos são construídos, o estudo destaca o difícil acesso ao transporte público; o forte aumento nos preços de imóveis e terras; a proximidade dos conjuntos habitacionais a áreas dominadas pelo tráfico de drogas; a falta de planejamento arquitetônico dos projetos, todo padronizados, sem considerar condições climáticas locais ou o tamanho e a necessidade das famílias; o aumento insustentável do custo de vida para os moradores; e a consequente inadimplência e falta de manutenção dos condomínios.

"Para as famílias que estão em situação de vulnerabilidade econômica, quando chega a casa própria, que é um sonho, isso passa a ser mais importante do que conseguir colocar seu filho em uma escola, ter um médico perto da sua casa, conseguir ir ao supermercado, pegar o ônibus para trabalhar", afirma a pesquisadora Denise Morado, do programa de pós-graduação em arquitetura e urbanismo da UFMG.

Ao delegar a escolha das áreas e a execução dos empreendimentos às construtoras, o programa acaba adotando soluções inadequadas, com terrenos mal localizados, falta de projetos arquitetônicos, e conjuntos padronizados nos moldes do extinto Banco Nacional de Habitação (BNH), criticam os autores do estudo.

"Não existe mais projeto arquitetônico para determinado local, há um padrão homogeneizado e acordado por todas as construtoras", diz Denise. "Não há diversidade social. Você coloca pobres em áreas pobres. Para a cidade, isso é terrível, porque você cria guetos".

Há o registro, diz a professora da UFMG, de conflitos sociais "gravíssimos" nos conjuntos analisados. "Pessoas que pagam mensalidades estigmatizam quem vem de áreas de risco ou favelas, e por isso não pagam, em discursos como 'eu merecia essa casa, você não'".

Outra falha apontada diz respeito à execução do programa, feita de maneira totalmente descolada das discussões sobre a política habitacional brasileira. O estudo ressalta que o próprio Ministério das Cidades, criado em 2003, nasceu especialmente para formular e implementar uma política urbana integrada no Brasil, que tem 80% da população vivendo em cidades.

"Existia uma política habitacional muito bem estruturada para o governo Lula e diretamente associada à luta de moradia dos movimentos sociais. Essa política foi 'tratorada' a partir do momento em que a Dilma, ainda na Casa Civil, definiu o programa exclusivamente com os construtores", afirma Denise, que diz que o programa não se trata de política habitacional, mas de desenvolvimento econômico e geração de empregos na construção civil.

Mesmo o site da Ministério das Cidades, responsável pelo "Minha Casa", diz que o modelo de conjuntos habitacionais do BNH, criado pelo regime militar, contribuiu para consolidar as desigualdades sociais no Brasil. Para a população mais pobre, o BNH financiou escassas moradias de péssima qualidade nas periferias das cidades, ofertadas pelas Cohabs.

O "Minha Casa", de acordo com os pesquisadores, "enterrou" também os programas habitacionais específicos às realidades locais de cada municípios que estavam em andamento, "desmobilizados para fazer rodar o MCMV, em função do montante de recursos disponíveis".

O aumento do preço das terras, fenômeno que ocorre no país, também seria consequência do descolamento do programa de políticas urbanas e fundiárias. "É um ciclo inverso do que uma política fundiária faria. Planejaria as áreas centrais, muitas vezes esvaziadas, para direcionar à população de baixa renda, que é quem mais precisa ter acesso próximo aos serviços", diz Danielle, do Pólis.



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