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AGÊNCIA CBIC

02/02/2015

Empreiteiras e recuperação judicial

"Cbic"
02/02/2015

Valor Econômico

Empreiteiras e recuperação judicial

Por Julio Kahan Mandel 

 Quando em crise, e precisando se reestruturar utilizando a ferramenta da recuperação judicial (RJ), construtoras e prestadoras de serviço que atuam prioritariamente junto ao setor público se deparam com uma dificuldade a mais: o receio de serem impedidas de participar de novas licitações.

 Apesar de manterem sua plena capacidade técnica, as recuperandas vinham se deparando com uma situação que não se coaduna com os princípios que regem a Lei nº 11.101/2005 (LRF – lei que versa sobre insolvências), que é a constante exigência, nos editais de licitações, da apresentação de certidão negativa de recuperação judicial.

 Qual a lógica do Estado criar (Legislativo) e conceder (Judiciário) a recuperação judicial a empresas viáveis, enquanto o Poder Executivo lhes tira o oxigênio, impedindo sua atuação justamente na área essencial de seu objeto social. A recuperanda pode até tentar migrar parte de seus esforços para atividades privadas, mas seria leviano garantir que a devedora não sofrerá prejuízos, o que no final das contas prejudica os empregados, os credores e a arrecadação dos impostos, ou seja, toda a sociedade seria prejudicada e afronta os princípios da LRF.

 Não há lógica o Estado criar e conceder a recuperação, se o Poder Executivo lhes tira o oxigênio 

 Essa exigência também fere o direito das recuperandas de concorrerem em igualdade de condições com os demais licitantes, infringindo o inciso XXI do art. 37 da Constituição, ao serem impedidas de participar de licitação única e exclusivamente por se encontrarem em RJ, apesar de ostentarem totais condições técnicas e financeiras para a prestação dos serviços licitados.

 Permitir essa segregação significaria impedir que empresas com perfil voltado às obras públicas se recuperem, bem como seria uma negação absoluta ao espírito da lei de falências e um atentado ao direito que o Estado concede.

 Ora, vedar a participação significa obstaculizar a produção da atividade empresarial, configurando flagrante e proibitivo ato de desrespeito ao princípio basilar do instituto da recuperação judicial (manutenção da fonte produtora e sua função social), ainda mais quando inexiste previsão legal na LRF que impeça as empresas de participarem de tais certames.

 O artigo 52, inciso II da Lei 11.101/05 menciona tal contratação, ao prever que o juiz deferirá o processamento da recuperação e, no mesmo ato, determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o poder público.

 Ou seja, a LRF previu a possibilidade de empresas em recuperação contratarem com o Poder Público, só continuam obrigadas a apresentar certidões negativas de débitos fiscais. E somente a CND. Não há restrição unicamente por estar em recuperação judicial, como ensina Leon Frejda Szklarowsky (Análise Crítica da Lei de Licitações E Contratos – Parecer LFS 2 – OAB-DF – Ofício 840/96-GP) sobre a possibilidade de empresas em recuperação judicial participarem de processos licitatórios.

 Ora, se o legislador quisesse impedir as recuperandas de participar de licitações, porque colocaria tal previsão no artigo que trata justamente do deferimento da recuperação? A única ressalva é ter ou não CND, e não certidão específica de recuperação judicial, algo que obviamente nunca seria possível obter.

 Portanto, o novo entendimento derroga o dispositivo da Lei nº 8.666, 1993 que exigia a comprovação de inexistência de concordata como requisito para a habilitação em licitações. E sendo a lei posterior incompatível com a previsão de lei anterior, e sendo ambas ordinárias e federais, fica caracterizado o fenômeno da derrogação tácita, previsto no art. 2°, §1° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

 As restrições dos editais somente podem ser aquelas rigorosamente previstas em lei (artigo 37, caput e inc. XXI da Constituição Federal), razão pela qual, inexistindo previsão legal que impeça a recuperanda de atuar na área pública, não podem haver veto para participar do certame.

 E nossos julgadores estão atentos a isso, permitindo que as empreiteiras recuperandas participem de licitações, como as bem fundamentadas decisões proferidas pelos professores e juízes especializados de São Paulo, Drs. Daniel Carnio Costa e Paulo Furtado, titulares, respectivamente, da 1ª e 2ª Varas Especializadas em Falência e Recuperação Judicial de São Paulo (processos: 1066745-48.2014.8.26.01001 e 1048147-46.2014.8.26.0100). E por todo o país decisões semelhantes têm sido obtidas (TJBA; AI. 014896-82.2013.8.05.0000; 5ª Câmara Cível; Rel. Des. José Edivaldo Rocha Rotondano; e TJRS AI. nº 70054779087; 5ª Câmara Cível).

 Finalmente, esta discussão vem chegando ao STJ, e recentemente, ainda em sede de agravo regimental em ação cautelar (AgRg na MC 23.499/RS), foram mantidos os efeitos da liminar que permitia à empresa atuar em contratações públicas, sendo inclusive destacado o ineditismo da questão. A consolidação dessa posição, que é o que se espera, dará nova segurança jurídica ao instituto e permitirá a recuperação de importantes empresas nacionais em dificuldades momentâneas, prestando um enorme serviço a um Brasil que necessita como nunca crescer, investindo em infraestrutura.

 Julio Kahan Mandel é membro da Comissão de Estudos sobre Instituições Financeiras da OAB-SP e da Comissão de Direito Recuperacional do IASP; autor do livro Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas Anotada  

 Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações 

 


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